O Globo, n.31.582, 06/03/2020. País. p.08

Ex-secretário avisou ''Rei Arthur'' sobre prisão, diz sócio
Chico Otavio 
Daniel Biasetto 

 

Acusado de pagar propina na compra dos votos para os Jogos Olímpicos de 2016, o empresário Arthur Soares de Menezes, o “Rei Arthur”, tomou conhecimento de seu pedido de prisão quase duas semanas antes da Operação Unfairplay ter sido deflagrada, em 5 de setembro de 2017. A afirmação é do sócio de Arthur no LSH Hotel, Ricardo Siqueira Rodrigues, em delação premiada firmada com Ministério Público Federal (MPF). Segundo ele, o vazamento aconteceu quando Astério Pereira dos Santos, preso ontem na Lava-Jato do Rio por envolvimento no esquema do ex-governador Sérgio Cabral, era secretário nacional de Justiça. Ele teria feito com que a informação chegasse a Arthur, de quem era muito próximo.

Quando a operação foi deflagrada, o empresário não foi encontrado e seu nome passou a figurar na lista de procurados da Interpol. Após saber do pedido de prisão, Arthur voou no mesmo dia de Portugal para os Estados Unidos, onde firmou acordo de colaboração premiada que impediu a sua deportação para o Brasil.

LIGAÇÃO EM PORTUGAL

Em depoimento, Ricardo Rodrigues afirmou que, ao visitar Arthur no dia 25 de agosto de 2017 em Portugal, quando o empresário já era investigado por ligação com o esquema Cabral, estranhou a reação do sócio depois que ele atendeu a uma ligação do Brasil. Após o telefonema, Arthur viajou aos Estados Unidos no mesmo dia. Seis meses depois, o empresário confidenciou ao delator que a ligação que recebera em Portugal era de uma pessoa de sua “total confiança”, que o avisou de sua iminente prisão.

Segundo o delator, Arthur revelou que o vazamento da informação se deu por meio de pessoa de dentro do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça, que teve acesso a documentos do pedido de prisão, e citou o nome de Astério. O ex secretário nacional de Justiça ocupou o cargo entre março e novembro de 2017, durante a gestão do ex-presidente Michel Temer. Em nota, o Ministério da Justiça informou que o atual comando do DRCI não pode responder por gestões passadas, mas que vai contribuir com as investigações.

O filho de Astério, Danilo Botelho dos Santos, seu sócio, Carlson Ruy Ferreira, e mais cinco pessoas também foram presos ontem pela Lava-Jato. Além do suposto envolvimento na fuga de Arthur, Astério —que também foi secretário estadual de Administração Penitenciária no governo Rosinha Garotinho entre 2003 a 2006 — é acusado de integrar um esquema de desvio de recursos do Fundo Especial do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) e de operações ligadas aos presídios do Rio. Astério e Carlson eram sócios nas empresas Denjud e JB Alimentação, contratadas pela Secretaria de Administração Penitenciária (Seap). Essas empresas, segundo o MPF, receberam milhões em contratos pelo fornecimento de alimentação aos presídios.

Em 2016, em meio a dificuldades no pagamento a empresas fornecedoras de presídios, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) autorizou a transferência de R$ 120 milhões à Seap e R$ 40 milhões ao Degase, provenientes do Fundo do TCE, para o pagamento da dívida. A Denjud e a JB Alimentação receberam R$ 19,6 milhões.

MÁFIA DAS QUENTINHAS

Carlson e Astério já vinham sendo investigados desde a Operação Pão Nosso, que desbaratou a “Máfia das Quentinhas”. A investigação ganhou força com a colaboração premiada do conselheiro aposentado Jonas Lopes de Carvalho,

ex-presidente do TCERJ. Segundo o MPF, mesmo co matroca de secretários na Seap, a atuação da organização criminosa manteve-se estruturada e beneficiada pelos contratos firmados entre o governo Cabral e empresas fornecedoras de alimentação a presídios. A permanência de Astério no esquema, mesmo depois de ter saído da Seap, também foi confirmada na colaboração premiada do ex-subsecretário da Seap Marcos Vinícius Lips.

Em nota, o advogado Fernando Augusto Fernandes, que defende Astério, disse que seu cliente “acredita na Justiça e tem segurança que com os esclarecimentos prestados o processo provará que a denúncia parte de informações inverídicas”.