O Globo, n.31.582, 25/01/2020. País. p.06

Recuo estratégico
Naira Trindade 
Marcelo Ninio 


 

O presidente Jair Bolsonaro recuou, diante da pressão das redes sociais, e afirmou que é “zero’’, no momento, a chance de dividir o Ministério da Justiça e Segurança Pública, esvaziando o poder de Sergio Moro. “Eu não preciso fritar ministro para demitir’’, disse.

Diante da repercussão negativa, especialmente nas redes sociais, da ideia de recriar o Ministério da Segurança Pública, retirando a área do comando de Sérgio Moro (Justiça), o presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que a chance de tomar a medida neste momento é “zero”. A afirmação foi feita em meio a ressalvas de que na política as coisas podem mudar. Em vídeo divulgado nas suas redes sociais, o presidente pediu calma aos apoiadores antes de atacá-lo por propostas “em fase de gestação”. O recuou ocorre depois de Moro ter entrado em mais uma rede social mesmo diante da polêmica. A exposição pública do ministro, mais popular que o chefe segundo pesquisas de opinião, segue incomodando o presidente e está por trás da cogitação de enfraquecê-lo.

Em entrevista dada à TV Bandeirantes, em Nova Délhi, na Índia, Bolsonaro negou que esteja “fritando” Moro:

— Eu não preciso fritar ministro para demitir. Nenhum ministro meu vive acuado com medo de mim. Minhas ações são bastante pensadas e muito bem conversadas antes — afirmou o presidente. — Não existe qualquer fritura e nem qualquer tentativa de esvaziar o senhor Sergio Moro. Mais cedo, ao desembarcar na capital indiana, o presidente havia dado a primeira declaração descartando a divisão do ministério: — Está descartada. Essa questão de alguns secretários estarem querendo a divisão, alguns podem estar bem intencionados, outros podem estar querendo enfraquecer o governo. A chance de dividir no momento é zero. Não sei amanhã, na política as coisas mudam —afirmou. Enquanto Bolsonaro se deslocava ao outro lado do mundo, o governo sentiu elevar a temperatura das redes sociais com críticas a um enfraquecimento do ministro da Justiça. O fato de Moro ter decidido, como planejado, abrir sua conta no Instagram mesmo com a polêmica no ar acendeu o sinal de alerta. Diante dos questionamentos cada vez mais intensos de apoiadores, sobretudo os entusiastas da Lava-Jato, e dos sinais de descontentamento emitidos pelo ministro, que chegou a ameaçar deixar a pasta em conversas com assessores de confiança, Bolsonaro decidiu recuar de forma pública.

A insatisfação com Moro, porém, vinha desde a entrevista concedida pelo ministro ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira. Houve a avaliação no entorno do presidente de que Moro não descartou de forma clara que não tem pretensões de concorrer à Presidência. Para Bolsonaro, apesar de o ministro ter se saído bem de alguns questionamentos dos entrevistados, ficou a sensação de que ele deixou no ar a possibilidade de subir no palanque em 2022. A “concorrência” com Moro, que supera o presidente em popularidade segundo as pesquisas de opinião, sempre foi uma pedra no sapato no relacionamento dos dois, que vive de altos e baixos. Agora, aliados de Bolsonaro interpretaram a entrada do ministro no Instagram como uma clara disposição de iniciar a campanha eleitoral nas redes sociais, ainda que o ministro tenha atribuído a ideia a sua mulher, Rosângela Moro.

 

ROSÂNGELA E BOLSONARO

Ao mesmo tempo em que o marido estreava na rede, Rosângela publicava uma foto no perfil dela lamentando não poder passar as férias com o Moro e brincando com Bolsonaro que a “conta” para ele seria bem cara. Em seguida, ela diz que Moro é feliz em integrar o governo e a equipe de “superministros”. Depois, Rosângela elenca cinco fases na vida de Moro e diz que ele “foi ministro”. A pressão para Bolsonaro recriar o Ministério da Segurança Pública se arrasta desde o início do governo, se intensificou em agosto passado e voltou com tudo no fim do ano. A retomada do assunto, revelada pelo GLOBO em dezembro, incomodou o ministro. À época, aliados de Moro minimizaram e disseram se tratar de uma cobrança de líderes do Congresso, interessados em tirar a Polícia Federal do guarda-chuva da Justiça.

A notícia sobre a possibilidade de recriar a pasta da Segurança atingiu em cheio também a ala militar do governo. O secretário nacional de Segurança Pública, general Theophilo Gaspar de Oliveira, reclamou a aliados que sequer foi avisado da intenção do governo de estudar a recriação da pasta e tampouco seu nome foi ventilado para assumir um eventual ministério.

“Eu não preciso fritar ministro para demitir. Nenhum ministro meu vive acuado com medo de mim.”

“A chance de dividir no momento é zero. Não sei amanhã, na política as coisas _ mudam”

Jair Bolsonaro