O Globo, n.31.579, 22/01/2020. Rio. p.13

Assassinatos em queda 
Carolina Heringer

 

O Estado do Rio registrou, em 2019, o menor índice de homicídios dolosos desde 1991, quando teve início a série histórica do Instituto de Segurança Pública (ISP) para o crime. Foram 3.995 vítimas, contra 4.950 em 2018 — uma queda de 19,3%. Foi a primeira vez que o número ficou abaixo de 4 mil assassinatos em um ano. Por outro lado, a quantidade de mortes em confrontos com a polícia chegou ao mais alto patamar desde que passaram a ser contabilizadas, em 1998. Foram 1.810 casos, uma média de cinco por dia.

As estatísticas de 2019 foram divulgadas ontem pelo ISP. De acordo com o levantamento, as áreas patrulhadas pelos batalhões da PM de Resende, Santa Cruz, Botafogo, Japeri, Queimados e Angra dos Reis registraram as maiores reduções percentuais de homicídios dolosos. Em Resende, cidade do Sul Fluminense, foram 92 casos em 2018 e 42 em 2019. Em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, houve queda de 99 para 46 assassinatos no mesmo período comparado e, em Botafogo, na Zona Sul, de 21 para 11 casos.

A estatística de mortes em confrontos com a polícia vem em escalada desde 2017. Naquele ano, foram registradas 1.127 no estado. Em 2018, o número fechou em 1.534. A quantidade (1.810) correspondeu a 30,34% dos casos de letalidade violenta (soma de ocorrências de homicídios dolosos, mortes por intervenções de agentes de segurança, latrocínios e lesões corporais seguidas de óbito) registrados em 2019. Ou seja, três em cada dez mortes foram causadas por policiais.

Apesar do número elevado, a quantidade de mortes provocadas por policiais caiu nos últimos meses. Foram 195 em julho, 173 em agosto, 154 em setembro, 144 em outubro, 135 em novembro e 124 em dezembro.

No estado, as áreas que tiveram maior aumento de mortes em confrontos com a polícia foram as dos batalhões da PM da Tijuca, de Bangu e da Praça da Harmonia (no Centro). Na Tijuca, o crescimento foi de 11 para 32 casos; em Bangu, de 53 para 137; e, na Praça da Harmonia, de 13 para 30.

ESPECIALISTAS AVALIAM

Melina Risso, diretora de programas do Instituto Igarapé, centro de estudos de questões de segurança e desenvolvimento, ressaltou que, em 2019, houve queda nos homicídios dolosos na maioria dos estados do país. Ela afirmou que, no Rio, essa diminuição pode estar relacionada a diversos fatores, de caráter administrativo e de política de segurança.

—O resultado pode ter relação com os investimentos feitos pela intervenção federal na segurança pública e os números de apreensões de armas. São fatores que ainda precisam ser mais estudados —explicou Melina, destacando que uma menor quantidade de armas de fogo em circulação costuma implicar em menos crimes.

Sobre o aumento das mortes causadas por policiais, o professor de Sociologia da UFF Daniel Hirata afirmou que, desde 2014, uma série de fatores, entre eles a crise financeira do estado e a falência das UPPs, vem desestruturando a política de segurança pública do Rio.

— Nesse cenário, falta planejamento global para a segurança, e a atuação da polícia fica mais difusa. Muitas operações são retaliações a ataques — disse Hirata.


Caminhos opostos nas mortes violentas
Gimpaolo Morgado Braga 

 

As mortes violentas no estado tiveram, em 2019, dois panoramas que mostram caminhos opostos. De um lado, o número de homicídios dolosos ficou, pela primeira vez, abaixo das 4 mil vítimas, atingindo o patamar mais baixo da série histórica, iniciado em 1991. Do outro, as mortes em confrontos com a polícia chegaram ao maior índice desde 1998, quando os dados começaram a ser contabilizados. No cruzamento dos dois dados, a constatação mais clara é que ainda mata-se demais no Rio.

Três em cada dez mortes violentas, segundo os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) divulgados ontem, ocorreram pelas mãos de policiais. Nunca essa proporção foi tão alta. Em 2014, a polícia respondia por 10% da chamada letalidade violenta. Em 2018, durante a intervenção federal, bateu os 23%. No ano passando, na ponta do lápis, a participação policial no total de mortes violentas ficou em 30,34%.

Mesmo os homicídios dolosos, que caíram, em números absolutos, mais de 50% no quarto de século entre 1994 e 2019, ainda chocam pela proporção. São quase 11 por dia, em média. O Estado de São Paulo, por exemplo, tem quase 46 milhões de habitantes —o Rio, segundo dados do IBGE, tem 17,2 milhões —e deve fechar 2019 com menos de 3 mil homicídios dolosos, já que, segundo os dados até novembro, foram 2.596 vítimas.

A queda nos homicídios também não é um fenômeno isolado do Estado do Rio. Números do Ministério da Justiça e Segurança Pública, divulgados dentro do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), mostram que houve uma redução nas mortes em todos os estados e no Distrito Federal —comparando-se janeiro a setembro de 2019, o período disponível no momento, com os mesmos nove meses de 2018. Do Acre ao Rio Grande do Sul, os homicídios dolosos apresentaram queda. É possível, seguindo a média mensal, que o total de vítimas no país fique abaixo de 40 mil quando os dados de 2019 forem fechados.

De acordo com o mesmo Sinesp, entre janeiro e setembro a cidade do Rio foi o município com maior número de homicídios dolosos do país: 832 vítimas, 104 mortes a mais do que Salvador, o segundo com mais registros.

Dois dados positivos a se destacar, no índice de homicídios, são a taxa por cem mil habitantes e os locais onde os homicídios mais caíram. A taxa fechou 2019 com 23,1 mortes por cem mil habitantes —bem abaixo do índice de 29,07 em 2018 e dos quase 32 homicídios por cem mil de 2017. E das dez áreas com maior redução nas mortes, na comparação entre 2018 e 2019, quatro ficam no interior do estado, duas na Zona Norte, uma na Zona Oeste e uma na Baixada Fluminense, áreas em que o número de homicídios historicamente é alto.

Quanto às mortes em confrontos com a polícia, os números mostram o desconfortável protagonismo do Estado do Rio no cenário nacional. Segundo dados apresentados pelo “Fantástico” no último domingo, entre 17 estados e o Distrito Federal, a polícia fluminense respondeu por 40% das mortes decorrentes de confrontos policiais em 2019.

E não é possível correlacionar mortes de suspeitos em confrontos com quedas de outros índices: nas dez Áreas Integradas de Segurança Pública (Aisps) com maior redução nos chamados autos de resistência, seis tiveram, por exemplo, diminuição de roubos. Matar suspeitos em tiroteios não é garantia de tornar o estado mais seguro.