O Globo, n.31.576, 19/01/2020. País. p.08

Fila de pedidos de anistia aumenta 141%
Leandro Prazeres 

 

No primeiro ano do governo Bolsonaro, a fila de pedidos com parecer favorável da Comissão de Anistia, que dependem apenas de uma portaria ministerial para terem pagamentos liberados, aumentou 141%. Eram 280, em dezembro de 2018, e passaram para 675, em dezembro de 2019. Os dados são do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, ao qual a comissão está subordinada.

A Comissão de Anistia foi criada em 2002 para avaliar pedidos de perseguidos políticos na ditadura militar. Para que uma pessoa seja anistiada, ela precisa comprovar que foi perseguida ou torturada nesse período. Esse pedido passa pela análise do colegiado, que elabora um parecer favorável ou contra a concessão da reparação. Depois disso, o documento é encaminhado à ministra Damares Alves. É ela quem determina se a pessoa deve ou não ser reparada e reconhecida como anistiada política. Enquanto a ministra não assina a liberação do status de anistiado político, as indenizações não podem ser pagas.

À ESPERA

Raimundo Gomes de Souza, de 90 anos, é um dos que aguardam por uma assinatura de Damares. Em 2008, ele ingressou com o seu pedido de anistia. Dez anos depois, a comissão votou pela concessão de uma indenização a ele por ter sido preso por militares do Exército. Raimundo relata que, além de preso, foi torturado porque ele não fornecia informações sobre militantes da Guerrilha do Araguaia.

— Eu apanhei muito porque eles sabiam que eu conhecia os “paulistas” (como os guerrilheiros eram conhecidos na região). Levei coronhada de fuzil, fui preso num pé de coco — contou Raimundo, que hoje mora em uma casa modesta em São Geraldo do Araguaia, no interior do Pará, próximo à região onde foi preso, em 1972. Raimundo sobrevive hoje com pouco mais de R$ 2 mil por mês que recebe de aposentadoria. Segundo a Comissão de Anistia, ele teria direito a receber uma pensão vitalícia de R$ 1,9 mil por mês e mais R$ 368 mil referentes a valores retroativos.

A presidente da Associação Brasileira de Anistiados Políticos (Abap), Clélia Hunke, diz que o aumento na fila de pedidos que aguardam uma decisão de Damares já era esperada, considerando o discurso e os atos do governo em relação ao assunto. Bolsonaro costuma elogiar a ditadura militar e, quando deputado, chegou a exibir um cartaz na porta do seu gabinete que ironizava a busca por ossadas de guerrilheiros do Araguaia.

— A comissão foi praticamente desmontada e não há o menor interesse desse governo em reparar as pessoas que foram vítimas da ditadura. É uma pena porque temos pessoas morrendo à espera de um reconhecimento que pode nunca chegar —diz Clélia. Procurado, o ministério não respondeu. Em 2019, Damares prometeu uma revisão de reparações concedidas a anistiados políticos desde 2002. A Comissão da Anistia viu ainda seu estatuto ser alterado para reduzir a quantidade de recursos a decisões e teve sua composição mudada.