O Globo, n. 31440, 05/09/2019. Economia, p. 18

Bolsonaro admite flexibilizar teto de gastos
Jussara Soares
Marcello Corrêa
Manoel Ventura


O governo já fala abertamente em flexibilizar o teto de gastos, norma constitucional que limita o crescimento das despesas públicas ao índice da inflação do ano anterior. O porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, disse ontem que o presidente Jair Bolsonaro defende uma mudança na regra, porque a tendência é que, nos próximos anos, o governo fique sem recursos para manter a máquina pública. Segundo ele, o Executivo rechaça a criação de novos impostos:

— O presidente defende uma mudança nesta lei porque, se isso não for feito, nos próximos anos a tendência é o governo ficar sem recursos para pagar despesas de manutenção da máquina pública. O governo não irá exigir mais impostos da sociedade para conseguir equilibrar as contas públicas.

O porta-voz defendeu uma mudança na dinâmica das despesas obrigatórias e disse que a solução para o problema está sendo buscada pela equipe econômica em parceria com o Congresso.

Logo após a declaração do porta-voz, fontes ligadas ao ministro da Economia, Paulo Guedes, se apressaram em negar que haverá uma proposta de mudança no teto de gastos. Elas garantiram que o assunto não foi discutido em uma reunião entre Bolsonaro e Guedes, que ocorreu na tarde de ontem, apesar de a declaração do porta-voz ter sido feita horas depois do encontro. Guedes, porém, quer alterar a dinâmica dos gastos obrigatórios, para “tirar a água do pescoço”. A forma como isso será feita, porém, não foi comentada.

‘Questão de matemática’

Aprovada em 2016 pelo Congresso, durante o Governo Michel Temer, a lei contou com o voto favorável do então deputado federal Jair Bolsonaro. Ao ser perguntado sobre a mudança de postura do presidente, Rêgo Barros justificou que “as pessoas evoluem”:

— As pessoas evoluem à medida que percebem as modificações da conjuntura e das perspectivas socioeconômicas, em especial no fato e no país que nós vivenciamos.

Pela manhã, Bolsonaro já havia indicado que poderia apoiar a proposta de flexibilizar o teto de gastos. Sem deixar claro que medida será tomada pelo governo, ele afirmou que é “uma questão de matemática”.

— Temos um Orçamento, temos as despesas obrigatórias, que já estão subindo. Acho que, daqui a dois três anos, vai zerar a despesa discricionária (investimentos). É isso? Isso é uma questão de matemática, nem preciso responder para você, isso é matemática — disse o presidente, na saída do Palácio da Alvorada, antes de ir à Anápolis, em Goiás, para a cerimônia de entrega da aeronave militar KC-390, da Embraer, à Força Aérea Brasileira.

Indagado se o governo tomaria a iniciativa de mudar a norma, respondeu:

— Eu vou ter que cortar a luz de todos os quartéis do Brasil, por exemplo, se nada for feito. Já te respondi.

No próximo ano, a despesa total do governo somará R$ 1,479 trilhão. Desse valor, R$ 682 bilhões serão destinados para pagar as aposentadorias do INSS e R$ 336 bilhões para a folha de ativos e inativos.

Futuro relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) que revisará as regras fiscais do país, o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) descartou ontem flexibilizar o teto de gastos. Ele será o relator na Comissão Especial de uma PEC apresentada pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) que prevê, entre outras, uma autorização para que o governo reduza jornadas e salários de servidores públicos em caso de descumprimento da chamada regra de ouro, que proíbe que o governo aumente a dívida pública para pagar despesas correntes. O texto está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. A expectativa é que a votação ocorra ainda este mês.

Hoje, a Constituição prevê que as operações de crédito não podem superar as chamadas despesas de capital, basicamente investimentos. Ou seja, o governo só pode ir ao mercado financeiro para aumentar os investimentos — obras de infraestrutura, por exemplo — e nunca para honrar gastos correntes, como pagamentos de salários e aposentadorias.

Como as despesas com investimentos estão em queda por causa da crise, a União deve descumprir essa regra pelo segundo ano seguido em 2020. Neste ano, o governo precisou pedir ao Congresso autorização para obter cerca de R$ 250 bilhões extras. No ano que vem, essa necessidade será de R$ 367 bilhões.

Medidas duras

A ideia da PEC em análise no Congresso é disparar “gatilhos” que ajudem o governo a cortar gastos, antes que a regra seja descumprida. Um dos trechos prevê que, se a regra de ouro tiver sido rompida no ano anterior, o governo fica autorizado a não pagar abono salarial, não repassar os 40% do PIS ao BNDES (previstos na Constituição) e a reduzir jornadas de servidores, com cortes proporcionais de salário. Além disso, entram em ação os gatilhos já previstos na regra do teto de gastos, como proibição de concursos e de reajustes de servidores.

Guedes tem frisado que prefere “quebrar o piso” a romper o teto. Com a metáfora, o ministro da Economia quer dizer que pretende aumentar o espaço para gastar diminuindo as despesas obrigatórias.

Rigoni destaca que essa deve sera intenção dos trabalhos da PEC:

— Não furaremos o teto. Sei que há alguns comentários. Esquece isso. Não flexibilizaremos o teto, isso não passa aqui na Câmara. Mas vamos dar capacidade de o governo cumprir. Vão ser medidas duras, mas bem feitas.

De acordo com técnicos, as reuniões da equipe econômica com os deputados envolvidos na proposta de revisão das metas fiscais têm sido semanais. A expectativa é que a PEC seja aprovada ainda este ano.