Título: Aborto: Conselho vai contra o ministério
Autor: Luiz Orlando Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 19/04/2005, País, p. A6

presidente do Conselho Federal de Medicina, Edson de Oliveira Andrade, distribuiu ontem nota oficial na qual ''orienta'' todos os médicos para que exijam a apresentação do Boletim de Ocorrência (BO) policial ''como instrumento preliminar para a execução do aborto legal''. O Código Penal não pune o aborto como crime somente em dois casos: quando ''não há outro meio de salvar a vida da gestante'' ou se a gravidez ''resulta de estupro, e o aborto é precedido de consentimento da gestante''.

A iniciativa do presidente do CNM decorre, segundo ele, da ''recente polêmica sobre a exigência de elaboração de BO para a execução do aborto legal, envolvendo o Ministério da Saúde e o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, e considerando a imensa fragilidade a que os médicos envolvidos nesses atendimentos ficaram submetidos, em decorrência das orientações contraditórias apresentadas'' no caso.

Enquanto o Ministério da Saúde baixou uma ''norma técnica'' autorizando os médicos que trabalham nos hospitais do SUS a promover o aborto legal, mesmo sem a exibição do BO pela gestante que se diz vítima de estupro, o presidente do STF limitou-se a dizer - provocado pela imprensa - que resolução expedida por um ministério não pode ''garantir'' se determinado ato tem ou não ''conseqüência jurídica''.

O ministro da Saúde, Humberto Costa, afirmou ontem no Rio que o ministério não voltará atrás na sua decisão de orientar os médicos a fazerem aborto em caso de estupro sem necessidade de boletim de ocorrência. Segundo Costa, a norma poderá ser aperfeiçoada, em entendimentos com o Supremo, para que haja garantias de que os médicos não sofrerão conseqüências legais ao seguir a nova orientação.

- Em principio, não vamos mudar a norma. O entendimento dos juristas que nos assessoraram e o próprio entendimento do presidente do STF é de que a lei não exige especificamente o boletim. O que a jurisprudência exige é que o profissional tenha certeza de que se trata de estupro - afirmou Costa.

O ministro disse, no entanto, que a norma poderá ser aperfeiçoada:

- Mas não será com a inclusão da obrigatoriedade do BO. Estamos consultando o presidente do STF e discutindo dentro do grupo que elaborou a norma uma forma de eximir o médico de responsabilidade caso, mais à frente, aquela situação não se concretize como gravidez não decorrente de estupro.

Costa afirmou que os dados que constarem da declaração a ser feita pelos médicos podem ser usadas pela Justiça ou polícia para investigação em casos de suspeita de que não houve estupro.

- É óbvio que não é papel do serviço de saúde acobertar ato ilegal, no entanto, ele tem de estar preocupado com a garantia de saúde da mulher e de que ela possa receber atendimento adequado.