Correio Braziliense, n. 21434, 22/11/2021. Política, p. 4

A delicada escolha do vice

Israel Medeiros 


Amenos de um ano das eleições, as conversas sobre a definição de vices de chapas na disputa à Presidência tira o sono dos pré-candidatos. Primeiro e segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já disseram, meses atrás, que procuram alguém que não tenha pretensão de atrapalhar-lhes a vida. E há razões de sobra para tal preocupação: na história da política brasileira, os vices, que teoricamente seriam personagens com estreito alinhamento com o chefe da Nação, assumiram protagonismo em vários momentos de crise institucional.

O petista vem dando a entender que pretende reeditar, para 2022, uma chapa semelhante à de 2002, tendo ao lado um nome de perfil mais conservador, de centro, com bom trânsito na direita e aceito pelo empresariado — 20 anos atrás, o nome que quebrou as resistências ao petista foi o do empresário do ramo têxtil José Alencar, seu vice por oito anos. Nas últimas semanas, o nome que tem sido ventilado é o de Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo que foi candidato à Presidência pelo PSDB duas vezes.

A desconfiança com o nome de Alckmin dividiu petistas e partidos que pretendem se aliar à candidatura de Lula. Isso se deve, principalmente, ao perfil do tucano e ao trauma com Michel Temer, que sucedeu Dilma Rousseff, que sofreu um processo de impeachment.

O deputado Afonso Florence (PT-BA), vice-líder da oposição na Câmara, no entanto, garante que não há trauma no PT com relação à escolha de vice. O partido, segundo ele, ainda não sentou para definir qual será o nome porque é cedo e diversos fatores devem ser pesados antes da escolha.

“Até agora, a movimentação de nomes que podem lançar pré-candidatos é em torno da cabeça de chapa, até porque a consolidação de federações ou candidaturas avulsas sem federação é que vai dizer a possibilidade de vice”, pontuou. Florence afirmou que a tendência é que a escolha seja feita com base na afinidade ideológica. Disse, ainda, que o partido não terá preconceito e que não importa se o nome virá da classe trabalhadora ou do empresariado.

Já o deputado federal Israel Batista (PV-DF) crê que o impeachment de 2016 não deve alterar tanto a escolha do perfil para o vice. “O candidato a vice é alguém que complementa o candidato à Presidência. O que faz o vice almejar a cadeira presidencial pode ser uma dificuldade de relacionamento do presidente com o Congresso e a opinião pública. Um presidente que seja perito no diálogo não leva tanto em consideração essas questões, vai procurar alguém que tenha competência”, afirma.

Para o cientista político André César, da Hold Assessoria, a aproximação de Lula e Alckmin é apenas teatro. “Essa conversa é útil a todos. Para o Lula, porque ele realmente manda um recado para o eleitor mais moderado de que ele não é um extremista que vai rasgar dinheiro. Não creio que o Alckmin será vice do Lula. Mas ele se mostra para o eleitor mais à esquerda que ele negocia, também, que ele dialoga. Os dois ganham”, disse.

 Eduardo Grin, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acha que a citação de Alckmin por Lula “é um pacto de não agressão, na medida que Alckmin deve ir para o PSD”. E acrescenta: “O Rodrigo Pacheco está lá e Lula teria ele como vice. O senador seria um candidato muito importante para Lula porque, mais uma vez, teria um vice de Minas, como foi José Alencar, um candidato moderado que sinalizaria que Lula está, em 2022, em uma versão similar a de 20 anos atrás”.

Compatibilidade

No caso de Bolsonaro, já ficou constatado que o vice-presidente Hamilton Mourão nem sempre rezou pela cartilha do presidente. Em vários momentos entrou em rota de colisão e, por causa desse não-alinhamento automático, ficaram sem se falar algumas vezes.

Daí porque, conforme informações de bastidores do governo, a tendência é que Bolsonaro procure alguém de perfil discreto. O presidente, aliás, já deu uma ideia do perfil que deseja para a composição da chapa à reeleição — “um cara que não tenha ambição pela cadeira (presidencial)”. Aliás, o chefe do Executivo chegou a dizer que a escolha de Mourão foi feita a “toque de caixa”, uma forma de menosprezá-lo em função das divergências entre eles.

 Bolsonaro, porém, faz movimentos lentos para 2022, apesar de estar bem perto do PL. Dos nomes que se comentam para a hipótese de compor a chapa da reeleição, o do ministro-chefe da Casa Civil Ciro Nogueira é o que desponta. Já esteve na lista de apostas até mesmo o da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, porém, um general alinhado com o presidente é hipótese que também é considerada.

Na terceira via, se são poucos os candidatos declarados — até agora apenas o ex-juiz Sergio Moro (Podemos) explicitou o desejo de disputar o Planalto —, um nome desponta como um vice capaz de agregar apoios: o do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. Ele viria com o peso de um partido, o União Brasil — nascido da fusão do DEM com o PSL —, que tem dinheiro em caixa e tempo de tevê. Moro, por sinal, sinalizou que gosta da ideia de, eventualmente, ter o ex-colega de governo Bolsonaro numa chapa capaz de tirar votos suficientes para frustrar a reeleição do presidente.

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