Título: A esquerda católica e o novo papa
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: Jornal do Brasil, 26/04/2005, Outras Opiniões, p. A13

Não sou um homem sem pecados. Nisso invejo o presidente Lula, de quem o cardeal Hummes disse ''que é um católico à sua maneira''. Talvez tenha, também, a minha maneira, meio ecumênica. Imito Camilo Castelo Branco que escreveu ''nada ter contra as diversas igrejas, mas, ''sorria-se do sacristão''. Ainda me atrai mais aquela que Cristo encarregou Pedro de fundar a sua Igreja, faz mais de dois mil anos.

A mídia nacional tem dado grande ênfase às reações à escolha do cardeal Ratzinger para suceder ao inolvidável João Paulo II. Do polêmico Frei Betto, que muitos consideram mais político que presbítero, o Correio Braziliense publicou as mais agressivas críticas ao papa: ''A escolha foi infeliz. A Igreja dará mais poder aos bispos conservadores, reacionários e medíocres. As posições do papa vão afetar o trabalho das Comunidades Eclesiais de Base no Brasil''. O Estado de S.Paulo ouviu do bispo Casaldáliga, como sempre arrebatado: ''Enquanto houver pobres no mundo e enquanto o Evangelho for válido, a Teologia da Libertação continuará existindo''. O bispo não leu decerto a palavra de João Paulo II, entrevistado pelo padre jesuíta André Frossard, segundo quem ''a mudança da Igreja, após o Concílio Vaticano II, dividia-se em três grupos: os integristas, presos à tradição, recusando parlamentar com o mundo; os que, sem muito entusiasmo, seguem as diretrizes dos episcopados; e, mais ativos, os que se fizeram companheiros de viagem do marxismo, adeptos da Teologia da Libertação, ainda que não tenha forma teológica precisa''.

Comentando a declaração conhecida de João Paulo II de que a Igreja está ao lado dos pobres, o padre perguntou-lhe se isso significava que a Igreja deveria assumir a luta de classe. O santo padre respondeu prontamente: ''A Igreja está e deve sempre estar do lado dos pobres. Deseja ser o testemunho das Beatitudes, especialmente a primeira delas. Os pobres não nos fazem esquecer a injustiça social e negligenciar os problemas concretos da vida cotidiana, mas a Igreja dos pobres é a de todos e a de cada um, Igreja universal. Não é de uma classe ou de uma casta. Ela nos fala em nome da verdade. Não pode servir àqueles que provocam tensões e conflitos. Não admite senão um combate, pela verdade e justiça. É solidária com os que se empregam a promovê-las, mas luta com uma só arma: a espada da palavra, a exemplo de Cristo''. Acrescenta, peremptório: ''Nessa luta evangélica, a Igreja dos pobres não deve servir a fins políticos efêmeros, nem toma parte nos conflitos. Ela toma todo cuidado para não se deixar manipular''. O entrevistador pergunta em que circunstâncias e limites a revolta pode ser lícita. A resposta elucida: ''A ética social vos responde: A revolta, no sentido de revolução não é tipicamente evangélica. A este respeito João XXIII disse de maneira muito significativa: o que se poderia chamar de revolução no Evangelho possui sua dimensão própria, mais fundamental que qualquer revolução sócio-econômica. Aparece a cada instante na mensagem evangélica e nitidamente no sermão da montanha, nas oito Beatitudes. Nenhuma revolução na história servirá a uma interpretação autêntica para nomear de revolução evangélica, senão a conversão''. A Teologia da Libertação, que cresceu na América Latina após o Congresso de Medellin, em 1969, ao contrário das palavras do bispo Casaldáliga, não seria evangélica, pois associada à luta de classes. Procura conciliar a fé com as teses de Marx. Assim definia o seu objetivo o padre salesiano, Jules Girardi, um dos seus mais qualificados teóricos: ''Libertará a Igreja de sua submissão ao capitalismo, por um engajamento revolucionário ao lado dos oprimidos''. Acabou sendo suspenso da Ordem.

Agora, Bento XVI reitera a oposição à Teologia da Libertação, que já constava de seu livro O Sal da Terra, escrito quando cardeal e explica: ''Tivemos de intervir para ajudar os bispos. Havia o risco de uma politização da fé que a teria impelido para uma partidarização política irresponsável e que teria destruído o que é especificamente religioso''. João Paulo II, como João XXIII, e o então cardeal Ratzinger, negam seja evangélica a Teologia da Libertação. Jovens frades dominicanos são o exemplo da adesão à praxis revolucionária. Chegaram a integrar a guerrilha de Carlos Marighella, a Ação Libertadora Nacional, tendo até codinomes na luta armada do comunista histórico. Apelidar os bispos conservadores de ''reacionários e medíocres'' é grosseira audácia do frade. Sobre as Comunidades Eclesiais de Base, João Paulo II falando aos seus líderes, advertia em seu discurso em Manaus, em julho de 1980: ''A base a que se referem é de caráter eclesial e não sociológico. É particularmente insistente o risco de intromissão do político na formação das comunidades que se congregariam, não a partir de uma visão da Igreja, mas com critérios e objetivos de ideologia política''. Provam-no as entrevistas das senadoras petistas, a ministra Marina Silva e Ildeli Salvatti, em que revelam terem tido formação política nas Comunidades Eclesiais de Base E não foram apenas elas...