O Estado de S. Paulo, n. 46610, 29/05/2021. Política, p. A12

Governo aumenta pena de prisão para hackers

Lorenna Rodrigues
Lauriberto Pompeu


O presidente Jair Bolsonaro sancionou ontem lei que torna mais rigorosas as punições para crimes cometidos na internet. A pena para hackers que invadirem dispositivos ou aparelhos, por exemplo, passou de um para quatro anos de prisão. Nos últimos meses, sistemas de instituições importantes, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), foram alvo de ataques cibernéticos.

A lei que entra em vigor aumenta penas para crimes de violação de dispositivo informático, furto e estelionato cometidos de forma eletrônica ou pela internet. No caso mais recente de ataque às instituições, em 6 de maio, o presidente do STF, Luiz Fux, teve de suspender a contagem dos prazos processuais e o de vigência das sessões virtuais do plenário e das turmas que tiveram início em 30 de abril. As apurações indicaram que o acesso não teve o intuito de “sequestro de ambiente” – como ocorreu em episódios envolvendo o STJ e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro –, mas, sim, de obtenção de dados.

Em novembro do ano passado, um ataque hacker afetou o sistema do STJ, impedindo que 2,5 mil decisões monocráticas fossem concluídas e publicadas. Os ministros e assessores da Corte ficaram impedidos até mesmo de utilizar seus e-mails e fazer qualquer movimentação nos processos até segunda ordem. O ataque foi verificado em uma tarde, enquanto ocorriam as sessões de julgamento dos colegiados das seis turmas do STJ. Em razão da tentativa de invasão à rede de tecnologia da informação, o tribunal suspendeu os prazos processuais à época.

O texto sancionado ontem por Bolsonaro altera ainda o Código de Processo Penal para definir a competência em modalidades de estelionato, que passa a ser o domicílio da vítima. Especialista em privacidade digital, Sofia Marshallowitz, bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e MBA em Segurança Digital pela USP, afirmou que esse trecho da nova lei pode ser de difícil aplicação. Sofia observou que o autor do crime pode decidir usar como alvo pessoas em países cujas jurisdições não tenham punições para crimes cibernéticos.

“Sendo um atacante brasileiro atingindo alguém de fora, podemos cair numa impunidade, como já era anteriormente à modificação da lei. Depende de um acordo de cooperação mútua brasileira com o país do ataque e de uma denúncia recebida pelo Brasil”, afirmou Sofia. “O atacante poderá ser julgado e ter uma sentença que nem o atinja de fato aqui no Brasil, já que não há vislumbre de deportação. E às vezes nem há uma lei consolidada sobre o tema no país onde o ataque ocorreu ou não há esse acordo de cooperação mútua”.

No caso do criminoso ser um estrangeiro, vai ser difícil aplicar a lei brasileira sobre outros países. “Sendo a vítima um brasileiro e o atacante um estrangeiro, a questão do acordo de cooperação mútua volta a ser tema central. Se o país do atacante não quiser colaborar, nada irá ocorrer e pode restar um cenário de impunidade”, disse a especialista.

Apesar das críticas, Sofia observou que a nova lei é positiva nos casos em que o criminoso e a vítima são brasileiros. “É uma medida interessante, já que a vítima poderá realizar todo o processo de seu domicílio, ainda que desconheça o local de consumação do estelionato digital, pacificando assim qualquer dúvida sobre competência do caso”, argumentou.

Especialista em Crimes Eletrônicos e Crimes Econômicos, sócia de Viseu Advogados, Carla Rahal Benedetti também afirmou que é preciso firmar cooperações internacionais nesses casos. “Precisamos avançar nessa legislação. Há possibilidade da punição acerca dos crimes cibernéticos. É claro que isso vai ter que estar intimamente ligado a tratados, convenções e regras de direito internacional, bem como a questão de ser o agente que pratica o crime, cidadão brasileiro”, disse Carla.

Pandemia. A justificativa do projeto foi o aumento significativo dos casos de fraudes eletrônicas durante a pandemia do coronavírus. “A sanção presidencial visa tornar a legislação mais rigorosa, a fim de proteger os consumidores e as instituições contra os ilícitos cibernéticos, tendo em vista o quantitativo relevante de prejuízos causados por este tipo de atos criminosos”, afirmou a Secretariageral da Presidência.

A nova lei determina que, no crime de invasão de dispositivo informático, previsto no Código Penal, a pena será de reclusão – podendo ser em regime fechado – de um a quatro anos e multa, punição que pode ser aumentada de um terço a dois terços se da invasão resultar prejuízo econômico. A pena anterior era de detenção, em regime aberto ou semiaberto, de três meses a um ano, e multa.

‘Cooperação’

“Sendo um brasileiro atingindo alguém de fora, podemos cair numa impunidade, como já era anteriormente à modificação da lei. Depende de um acordo de cooperação mútua brasileira com o país do ataque e de uma denúncia recebida pelo Brasil.”

Sofia Marshallowitz

Especialista em Privacidade Digital