Título: Paradoxos do governo na aviação comercial
Autor: Cláudio Magnavita*
Fonte: Jornal do Brasil, 04/05/2005, Economia & Negócios / Além do Fato, p. A20

A Varig está presa a uma rede de paradoxos. O primeiro deles representa um quadro onde, de um lado, a companhia atinge todos os recordes de pontualidade, apresenta um balanço com lucro operacional de R$ 430 milhões e os seus aviões decolam lotados para o exterior. Do outro lado, o governo, como poder concedente, não move uma palha para ajudá-la e exige uma solução de mercado para a companhia. Como não sinaliza um mínimo de boa vontade com a empresa, é o próprio governo que dificulta a solução que defende. A sua passividade acaba desmotivando os investidores.

Um outro paradoxo, ainda mais grave, também tem o próprio governo como personagem. O Superior Tribunal de Justiça, ao dar ganho de causa à ação de R$ 3 bilhões da Varig contra a União, no caso do congelamento tarifário, está contribuindo para uma solução de mercado. Trata-se da correção da interferência do governo federal nas tarifas aéreas durante o governo Sarney. Os aviões, mesmo que decolassem completamente lotados, voavam com prejuízo. A União defende uma solução de mercado, tem essa solução nas mãos, outorgada pelo STJ, mas não faz a sua parte.

Além de lavar as mãos no caso da Varig, o governo federal está voltando a agir como algoz, colocando novamente a Infraero como seu instrumento de pressão. Nos últimos dias a estatal voltou a sangrar novamente o seu principal cliente, impondo regras e negociações do passivo, como se desconhecesse o esforço de recuperação que toda a companhia faz, isto mesmo, toda a companhia, já que são os funcionários dos mais diferentes níveis que estão fazendo a sua parte para que a empresa sobreviva.

O governo federal age como se estivesse dividido. É como se metade estivesse pró-Gol e a outra metade estivesse pró-TAM.

É como se o grupo pró-Varig só fosse formado pelos seus funcionários, que mantêm os níveis de eficiência acima do mercado e pelos passageiros, que fidelizados pelos excelentes níveis de segurança e confiabilidade da companhia, não abrem mão de um vôo tranqüilo e pontual.

Finalmente, o paradoxo maior é criado também pelo próprio governo, ao afirmar publicamente que ¿não há crise na aviação brasileira e que, se ela existe, é de uma única empresa, a Varig¿. A afirmação é fruto de uma miopia de realidade e parece beirar a irresponsabilidade.

Se os R$ 8 bilhões faturados pela Varig em 2004 representam 62% da receita de todas as companhias aéreas brasileiras, se o faturamento da Varig é superior ao da TAM e da Gol juntas, se a companhia detém 82% dos vôos internacionais das empresas aéreas brasileiras, fica no ar uma questão: a crise na Varig não é uma crise na aviação comercial brasileira?

O governo tem que agir e parar de sinalizar ao mercado que só consegue enxergar a crise através da ótica das duas empresas que concorrem diretamente com a Varig e não negam o seu apetite em ocupar o seu lugar.

O governo Sarney foi condenando anos depois por ter congelado as tarifas e o governo Lula poderá ser, no presente, condenado por ter criado o maior colapso da história da aviação comercial brasileira.

*Presidente da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e membro do Conselho Nacional de Turismo