Título: Máfia do Ozônio, a nova ameaça
Autor: Arne Jernelov*
Fonte: Jornal do Brasil, 15/05/2005, Internacional / Além do fato, p. A11

O Protocolo de Kyoto foi ratificado, até pela retardatária Rússia, mas poucos meses se passaram e uma ameaça está surgindo contra um outro marco da proteção ambiental ¿ a Convenção de Viena e o Protocolo de Montreal para a defesa da camada de ozônio. E o perigo vem de um grupo improvável, mas bastante criativo e perigoso: o crime organizado. A razão é simples. Para proteger a camada de ozônio, acordos internacionais foram criados para banir o uso e a troca dos CFCs, clorofluorocarbonetos, os gases que, ao reagirem com o ozônio da atmosfera, acabam por destruir a proteção da Terra contra os raios ultravioleta. Para substituir esses químicos por outros benignos, os equipamentos que os utilizam ¿ como geladeiras, produtoras de espuma plástica, congeladores e principalmente aparelhos de ar condicionado ¿ precisam ser substituídos por outros movidos a gás não prejudicial ao meio-ambiente.

Porém, adaptar-se à lei é mais difícil do que desafiá-la. Embora seja proibido, é mais barato mascarar os aparelhos usados, completando o nível de CFC que utilizam, do que comprar novas máquinas e usar as soluções menos danosas, porém mais onerosas. E, como acontece com qualquer proibição, um mercado foi imediatamente criado junto com a oportunidade de ganhar dinheiro vislumbrada pelas organizações criminosas.

Tais grupos, como qualquer empreendimento comercial, estão sempre em busca de possibilidades como essa e continuam as encontrando. Por isso, não é surpresa que o contrabando de CFC já tenha se desenvolvido sem muita fiscalização, colocando em risco os termos do Convenção de Viena e o Protocolo de Montreal.

Esses acordos são considerados um sucesso, e estudos anuais com estatísticas oficiais mostram que o uso do CFC continua a cair. A quantidade de cloro na estratosfera (pelo decaimento do CFC), tem diminuído e, dois anos atrás o buraco de ozônio na Antártica era o menor da década. Além disso, aparecia dividido em dois. No entanto, novos e recentes relatórios mostraram uma redução da camada sobre o Ártico e o buraco antártico atingiu tamanho e profundidade recordes no ano passado.

Ainda não há como saber se eles representam simples flutuações num processo lento de recuperação ou a quebra definitiva dos resultados positivos. Seria o volume de CFC ilícito tão grande que agora transformou-se em um fator importante dentro do processo? Como acontece com as drogas ilegais, é difícil estimar a extensão das operações de contrabando.

O sinal desse volume é o número grande de apreensões que têm sido feitas nas fronteiras nos últimos anos ¿ a maior no Japão. Na maior parte dos casos, o CFC havia sido identificado como o HFC (hidrofluorocarboneto) permitido, mas etiquetas como ¿tinta spray¿ e ¿lubrificante¿ também foram usadas.

Barcos e aviões também foram usados para o transporte no mercado negro. Os carregamentos apanhados pela alfândega são originados, na maior parte das vezes, de zonas industriais livres, também chamadas zonas de processamento e exportação, na China, Vietnã, Tailândia e Egito.

Na maior parte do globo, as aduanas não estão preocupadas com o CFC. Para complicar, os compostos do HFC não são fáceis de distinguir sem equipamentos de análise sofisticados. Por isso, é razoável admitir que a proporção do volume traficado apreendido é menor do que o dos narcóticos.

Linhas complexas de transporte usando países de passagem são normalmente usadas. Uma delas, que acredita-se ser importante, vai da Europa (Espanha) a Cingapura ou Dubai, pela Índia, Nepal ou Bangladesh, depois voltando à Índia.

Algumas partes das convenções para proteção da camada de ozônio são buracos legais. Uma delas estabelece que países industrializados e em desenvolvimento marcham em diferentes velocidades para banir os CFCs. Com isso, algo que é proibido em um país pode ser permitido em outro.

Outro problema é a falta de restrições para a venda de equipamento antigo que usa as substâncias proibidas. Congeladores, por exemplo, que precisam de CFC, podem ser exportados livremente da Suécia ¿ onde não podem mais ser recarregados legalmente, para o Egito, onde a prática é possível. Acredita-se que o crescimento rápido da produção de espuma plástica nos países de processamento e exportação seja fundamentado na compra de unidades de produção dependentes de CFC.

Essas práticas podem constituir um perigo real às convenções para proteção da estratosfera, ou são apenas um fator que atrasará em anos ou décadas o fim dos CFCs? Se a última possibilidade for a verdadeira, já é um problema. Mas a resposta não está evidente e a questão do comércio criminoso de CFCs demanda atenção.

Os encarregados das aduanas ao redor do mundo e outros combatentes do crime organizado têm uma nova batalha ¿ dessa vez pelo meio ambiente ¿ nas suas mãos já muito ocupadas. (Project Syndicate)

*Professor de Bioquímica, especialista em catástrofes ambientais da ONU e ex-diretor do International Institute of Applied Systems Analysis de Viena