Título: Cúpula e orgasmo
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 13/05/2005, Outras Opiniões, p. A11

Os meios de comunicação incorporaram ao tempo real a impressão de que o acessório é o principal. É uma forma de desinformar, pois as versões conflitam com os fatos. Estas considerações são feitas sobre a cobertura da Cúpula. No hemisfério norte, o noticiário aponta para um fracasso, na medida do silêncio profundo que lhe dedicaram. Aqui, os fatos colaterais pareceram maiores que os principais, como o destaque para a questão bilateral Brasil-Argentina, a verborragia chaveana, a etimologia e definição de palavras como "terrorismo" e "democracia" e a saída à francesa de Kirchner. Analiso o lado essencial: o Brasil assumiu com êxito o seu lugar de parceiro político global, mesmo em regiões onde não tínhamos nenhuma tradição, como no Oriente Médio. A diplomacia brasileira, na continuidade da sua reconhecida competência e serviços que tem prestado ao país ao longo de sua História, conseguiu, num espaço de tempo muito pequeno, mobilizar todos os países daquela região, obter a participação e o engajamento para que o evento tenha continuidade e raízes. Isto abre à América do Sul uma janela comercial e política. Mostra o prestígio internacional de Lula. Evidentemente não é possível numa reunião desse porte uma visão uniforme de atos e fatos com os interesses legítimos, mas conflitantes, dos estados nacionais. Nesse terreno a única busca alcançável é a opinião média, na qual todos possam estar de acordo. A arte da diplomacia é ladear as questões irreconciliáveis e buscar um espaço comum de unidade. O trabalho do chanceler Celso Amorim foi de grande competência. Na parte formal mostramos nossa capacidade de organização e apoio a grandes conferências e no essencial criamos um elo institucional do nosso continente com o mundo árabe, carente de solidariedade e entendimento. Tanto assim que a próxima preparatória será em Buenos Aires, 2007, para a reunião de 2008 no Marrocos.

Em política a palavra é cinqüenta por cento da ação. As palavras são instrumentos de mobilização e o documento que foi elaborado é um excelente texto que soube contornar os pontos ultra-sensíveis e focar os principais. Para mim, democracia não tem adjetivo, é democracia mesmo, nada de social, de popular - como nos antigos países da URSS. Terrorismo é terrorismo, a mais abominável das violências porque é a gratuidade de atingir pessoas indiscriminadamente. Mas ninguém é ingênuo para não saber que estes valores são ocidentais. A reação de Israel é compreensiva, faz parte do jogo e mesmo os americanos têm dificuldade em dizer que o Iraque não é democracia. Política externa lida com realidades e não com o sexo dos anjos.

Era imprevisível saber-se que a Cúpula coincidiria com a tragédia das cinco derrotas do Corinthians e o Passarela teria de ser despachado para Buenos Aires.

Depois, a separação de Ronaldinho e Cicarelli, com tatuagens e tudo, sem falar no prefeito de Esperantina, no Piauí, que criou, justamente na data, o Dia do Orgasmo, que é, na definição de Houaiss, "sufusão tépida¿ e efervescência de sentimentos". O prefeito, ex-seminarista franciscano Santolia, anuncia que vai construir um orgasmódromo.

Com tudo isso a desviar as atenções, nada ofuscou os bons resultados do desfile dos árabes.