Título: Clima de desconfiança contamina governistas
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 22/05/2005, País, p. A4

Tensões políticas, vaidade e traição dificultam relação entre Planalto e aliados

A crise política que paralisa o governo e a bancada aliada no Congresso tem, como pano de fundo, um problema ainda maior: a crise de confiança. Há pelo menos seis meses, os aliados não se entendem, trocam farpas, em público, ou pelos corredores silenciosos do Legislativo. O PT defende a hegemonia na aliança, questionada pelos demais partidos e até pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os partidos de esquerda vêem com desconfiança os aliados não ideológicos, como PP, PMDB, PTB e PL. Nas votações secretas, a traição passou a ser freqüente e nem os líderes sabem apontar de onde vêm os votos desertores. Enquanto isto, o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, vai sendo bombardeado de todos os lados, inclusive por integrantes do Planalto. - Eu não sei o que está acontecendo. Parece que está todo mundo drogado - ironizou um petista.

A crise de relacionamento é séria. Na última quarta, quando o petista José Pimentel (CE) perdeu a votação - secreta mais uma vez - na votação para o Tribunal de Contas da União (TCU), ouviu de alguns parlamentares que deveria agradecer, em público, o apoio recebido dos líderes partidários. Foi chamado à razão por outro integrante da bancada governista.

- Agradece em particular. Nem todos trabalharam por você - aconselhou um deputado aliado.

No Planalto, o quarto andar, onde ficam situados os gabinetes dos ministros Aldo Rebelo, José Dirceu (Casa Civil) e Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica) foi apelidada de Faixa de Gaza. A fogueira das vaidades vai queimando o governo por dentro.

- Falta franqueza, o poder torna as pessoas mascaradas. Já me disseram que os autênticos na política cometem ''sincericídio'' - brincou o deputado Chico Alencar (PT-RJ).

Para o deputado Carlito Merss (PT-SC), não adianta lutar contra a realidade, a base fiel a Lula soma, no máximo 150 deputados. As outras legendas vieram depois e devem ser filtradas, constantemente, para saber quem está realmente disposto a contribuir com o governo. O petista não chega a dizer que são necessárias provas de confiabilidade. Mas admite:

- Alguns têm que dizer claramente o que pretendem - resumiu.

O líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (GO), aconselha o presidente Lula a ler o livro ''O monge e o Executivo''. Da obra, o liberal destaca o ensinamento de que um líder ''não pode apenas ser respeitado e temido pelos liderados; ele precisa ser amado''. Mabel afirmou que, durante o almoço dos líderes aliados com Lula, na terça, o presidente chegou a afirmar que, pessoas do Planalto o aconselharam a não receber parlamentares porque ''eles sempre vêm pedir algo''.

- Você só teme receber as pessoas em suas casas se estiver devendo algo para elas. Se não deve, fica feliz em atender os amigos - cutucou Mabel.

O líder do PP na Câmara, José Janene (PR) garante que o relacionamento entre os aliados só não é mais cristalino porque o PT ''insiste em achar que não é governo''. Para ele, esta disputa interna entre a legenda e o Planalto é recorrente.

- Eles sempre acham que são maiores que o governo e querem colocar seus interesses acima dos demais - acusou o pepista.

Um líder aliado confirma que as traições e desentendimentos surgiram no momento em que os governistas perceberam que o discurso do Planalto era vazio, repleto de promessas sem cumprimento. A situação começou antes das eleições municipais de 2004, prolongou-se nas alianças frustradas e agravou-se neste ano, com a eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Casa. O auge veio nesta semana: a maior parte das assinaturas para a instalação da CPI veio dos partidos aliados, incluindo o PT.

- Enquanto havia tempo para promessas, o governo conseguia enrolar. Mas as coisas mudam - resumiu um governista.