O Globo, n. 32790, 17/05/2023. Opinião, p. 3

A revitalização do SUS é urgente

Roberto Kalil


A pandemia provou a importância de um país como o Brasil, com mais de 200 milhões de habitantes, contar com um sistema público de saúde abrangente e capilarizado. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), sob determinação da Constituição de 1988, foi um ganho civilizacional inquestionável.

Cerca de 75% de nossa população depende exclusivamente do SUS. O sistema presta serviços que vão da prevenção até tratamentos de alta complexidade. Durante a pandemia, organizou uma campanha nacional de vacinação que contou com ampla adesão popular, resultando em taxas de imunização superiores às registradas no mundo desenvolvido. Creio que todo brasileiro ou brasileira já se pegou pensando em qual teria sido o quadro do país durante a pandemia caso não contássemos com o SUS.

O sistema atualmente tem falhas, algumas estruturais, que o impedem de assegurar na prática um atendimento de saúde com qualidade para todos, como determina a Constituição. É urgente, portanto, que a sociedade discuta estratégias para fortalecer e revitalizar o SUS. Historicamente, um de seus maiores desafios é o financiamento. Desde que foi criado, e apesar dos esforços de diferentes governos, o sistema não conta com infraestrutura e recursos humanos suficientes. É um problema que se “renova”, por assim dizer, na medida em que essa mesma população muda de perfil.

Os fatores contingenciais que atingem o SUS mudam rapidamente, das transformações na pirâmide etária brasileira à mudança nos hábitos alimentares da população. Em suma, o sistema não sofre apenas com o financiamento inadequado, mas também com a dificuldade de planejar o custo de suas operações no médio e no longo prazo. Então temos de enfrentar esses desafios de gestão.

O investimento em ferramentas de saúde digital é um bom caminho. A possibilidade de consultas por vídeo com clínicos gerais, enfermeiros, nutricionistas, fonoaudiólogos e demais especialistas pode representar uma melhoria significativa na saúde da população, sobretudo para comunidades afastadas dos grandes centros, carentes de uma estrutura hospitalar próxima.

Trata-se também de uma estratégia de aplicação imediata, já que a ampliação do alcance desses serviços digitais custa relativamente pouco. Com isso, mesmo num cenário de subfinanciamento, é possível oferecer orientação médica a milhares de pacientes. A melhoria se dá na qualidade do atendimento, diversificando o leque de especialistas a que a população tem acesso, mas também na sua frequência, já que o paciente não precisará se deslocar grandes distâncias para uma simples consulta de acompanhamento.

Isso requer, no entanto, um investimento sério na ampliação e na integração da base de dados do SUS, problema identificado pelo grupo de transição formado pelo atual governo, de que tive o privilégio de participar. Nosso sistema público ainda aproveita pouco uma das maiores vantagens trazidas pela digitalização da medicina: a possibilidade de cruzar e sincronizar dados de milhões de pacientes, tornando o sistema inteiro mais eficiente e ampliando a capacidade do Estado de desenhar políticas públicas.

Não há atalhos para a construção do SUS que sonhamos. Os gestores públicos precisam estar atentos às demandas dos profissionais de saúde, que conhecem de perto as carências e potencialidades do sistema. É preciso se aproximar também das universidades, que se debruçam há anos sobre todos esses problemas e podem orientar a construção de políticas públicas mais coerentes.

Se o Brasil deseja ser um dia uma nação realmente desenvolvida, precisamos de um SUS valorizado, eficiente, adequadamente financiado e atento às inovações tecnológicas. Um país mais justo só se constrói, afinal, com saúde de qualidade para todos.