Título: 2006
Autor: Ricardo Antunes
Fonte: Jornal do Brasil, 23/06/2005, Outras Opiniões, p. A17

As mais recentes pesquisas começam a mostrar que, finalmente, não só o governo foi afetado pela onda de corrupção que assola o país, como também, ainda que lentamente, a figura de Lula começa a ser atingida. Ampliam-se os índices daqueles que acham que seu governo está diretamente envolvido com a corrupção, dado que se soma ao estancamento da economia que aprofunda a crise social.

Se não fosse a blindagem que a mídia faz para preservar a todo custo a figura de Lula, temerosa de que uma hecatombe política possa levar à bancarrota da política econômica, certamente a figura de Lula estaria mais diretamente afetada. Isso porque não poderia passar a idéia de que, se verdadeiras as acusações de corrupção política que avassalam o governo do PT, estas poderiam estar ocorrendo nas salas do Planalto, perto do gabinete presidencial, sem a aquiescência de Lula. Nem que aqui fosse o Reino Britânico isso poderia estar acontecendo. Quanto mais num país presidencialista. Muito desmoronamento, portanto, ainda poderá ocorrer, para o qual nenhuma reforma política parece ter força para estancar a avalanche.

Tudo isso já antecipa o que se poderá presenciar nas eleições de 2006. Não é de surpreender que Lula ainda apareça nas pesquisas como candidato forte. Sua imagem, construída legitimamente ao longo de três décadas, não desmorona como a de Collor, que veio e se foi como uma tempestade de verão. A imagem de Lula levou muitos anos para se consolidar e ganhar a confiança popular e é isso que explica que nesses mais de dois anos de (des) governo, ainda apareça perante a opinião pública como candidato forte. Mas, seguindo a ladeira abaixo como está, e evaporando-se a cada dia mais a imagem pretérita do PT, vamos ver como isso fica no ano eleitoral de 2006.

Na oposição conservadora que disputa o centro com o PT, temos à frente o PSDB. Outra cara do que parece ser a mesma moeda, há uma briga ferina e felina para saber qual delas fica com a moeda pública. Serra, Alckmin e Aécio estão disponíveis para a empreitada. FHC fica correndo por fora, esperando o curso das coisas, nesse país onde a processualidade estrutural é freqüentemente afetada pela aparição contingencial. Dependerá do suporte do PFL, com Cesar Maia ou alguém das velhas oligarquias do Nordeste, para dar sustentação ao tucanato.

O também envelhecido PMDB ainda não morreu e, quase por ironia, tem Garotinho como candidato, ainda que seu fôlego seja localizado. Partido que não dispõe de muitos outros nomes, todos de inserção mais localizada. Mas que pode fazer um bom estrago, nas bandas do PT, como também pode mudar seu curso e sucumbir às verbas do Palácio.

O PP ainda não soltou sua pérola: vendo o estrago do ''mensalão'', ainda não sabe se fica colado no PT do ''mensalão'' ou se lança seu Severino. No mínimo, para beliscar algo no segundo turno, na velha tradição brasileira, de barganhar para apoiar.

Olhando-se para o centro-esquerda, há o PDT e o PPS. O primeiro, sem Brizola, continua na orfandade política. Tem lideres sérios e de extrema probidade, como Jefferson Perez, mas lhe falta densidade popular. E tem gente, por outro lado, que nem é bom falar. Basta olhar para São Paulo, onde o PDT sempre fica com o resto político. O PPS oscila muito entre encontrar-se pela esquerda ou colar-se no centro. Mangabeira Unger é um intelectual sério, quase um Dom Quixote, mas é desconhecido até na universidade brasileira, dedicado que está há anos a trabalhar nos EUA.

Na oposição de esquerda há algo novo, que merece atenção. Sem ainda ser candidata, a mais que coerente senadora Heloísa Helena, agora livre do mandonismo do PT de Dirceu e genuínos mercadantes, poderá aglutinar no PSOL uma gama de forças sociais e políticas ligadas ao trabalho, aos movimentos sociais, ao sindicalismo de esquerda, recuperando uma postura simultaneamente radical e contemporânea, que não tenha medo de se expor e se apresentar para o país com alternativa de esquerda, capaz de oferecer, nos limites de um processo eleitoral restringido, uma proposta que contemple um leque de ''questões vitais'' para mexer com a população trabalhadora do país.

Junto com outras forças de esquerda, como os católicos de esquerda, os militantes de comunidades de base, os militantes dos movimentos sociais que se espalham pelo país, partidos como o PSTU, o PCB, dentre outros, poderia adicionar algo novo na disputa que teima em ficar do lado direito do pêndulo. Mas 2006 está só começando.