Título: Repórter por um dia
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 24/06/2005, Outras Opiniões, p. A11

Quando eu tinha dezessete anos, concorri a um concurso de reportagem dos Diários Associados do Maranhão. Ganhei e não sei se melhor tivesse perdido. Iniciei-me no jornalismo. Como se começava naquele tempo, fui contratado como repórter de setor policial, o conhecido ''foca''. Dois anos peregrinei por delegacias, cobrindo acidentes e crimes, acompanhado do fotógrafo Azoubel, que está na glória de Deus.

Foi o jornalismo que me abriu as portas da política. Fiz carreira. De repórter passei a redator, de redator a secretário de redação, editorialista, organizador de suplemento literário e cronista que criticava tudo.

Contraí a paixão do jornal que até hoje me fascina.

Daí, foi um passo para a política. Iniciei essa penosa vida de disputar: no Centro Liceísta, no Colégio Estadual, na Umes, União Maranhense de Estudantes, na UNE e de repente estava na militância política, combatendo o Getúlio, o interventor do Maranhão e agitando colegas contra o que julgava errado. Era o nobre sonho da juventude.

Quando faço um retrospecto de minha vida, paro para ter saudades do meu tempo de repórter policial. Nenhuma preocupação com as razões de Estado, nem depressão ou problemas existenciais. Tinha a revolta do testemunho da vida, a tragédia pessoal dos envolvidos no crime.

Meu lado de poeta levou-me a escrever uma série de reportagens sobre um ladrão que morrera numa armadilha e cuja vida era uma gangorra entre a regeneração e o crime. ''Zé Tereza, entre o bem e o mal.'' Foi um sucesso.

Hoje, sessenta anos depois, estou em Paris e sou o orador, na Academia Francesa, da Academia Brasileira. Tenho três livros aqui publicados e muitos amigos entre os escritores.

Quem nasce no Maranhão nunca pensa na Presidência da República. Mas somos obstinados por Academias. O Maranhão tem seu deus maior na cultura. Na Academia Brasileira tivemos dez maranhenses, que vão de Graça Aranha a Josué.

As parteiras, ao ouvir o choro das crianças, já sabem seu desejo: Aca - aca - de - de - mia - de - mia.

E é por isso que tenho vaidade desse encontro. A Academia Francesa foi fundada em 1635, 23 anos depois da invenção do Maranhão pelos franceses. No Maranhão guardamos o imaginário dessa nossa ligação com a França.

Este ano é o ano França-Brasil. O Brasil está na moda. Por todo lado há manifestações culturais com temas do nosso país. Leio o Le Figaro e o jornal traz a notícia do mensalão e traduz: ''pot-de-vin''. Na Itália chamam de ''bustina'' (envelope).

Tudo vergonha.

Eu sou o repórter que vem ver a Europa dividida entre os que querem uma unidade política e os que desejam - Blair, cavalo de Tróia dos EUA - apenas uma área de livre-comércio.

Procuro entrevistar Richelieu e ele me diz porque fundou a Academia Francesa: ''a cultura''. E eu, repórter por um dia, vejo Paris e lembro Gilberto Amado, quando uma vez me disse em Nova Iorque: ''Todos nós temos duas pátrias. A nossa e Paris.''

Eu cá comigo reafirmo: minha pátria começa no Maranhão e, ao lado de Pessoa, ''é a língua portuguesa'', sem mensalão nem ''bustina''.

Brasil, bem brasileiro, da cultura da alegria, da praia, do futebol, da mulata, do botequim e do homem cordial, aquele que o pai de Chico Buarque cantou e ele também.