Título: De como a poesia está para a prosa
Autor: Paula Barcellos e Vivian Rangel
Fonte: Jornal do Brasil, 08/07/2005, Rio, p. A16

Enquanto as crianças de Paraty descobriam a magia da literatura narrada pela escritora Marina Colasanti, colunista do Caderno B do Jornal do Brasil, na Tenda dos Autores o que estava em discussão era o futuro do romance. Na primeira mesa de debates da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), na manhã de ontem, os participantes deixaram o debate com a certeza de que, enquanto houver linguagem, haverá narrativa. Mediados pela jornalista Bia Abramo, os escritores Beatriz Bracher, Cristovão Tezza e José Luís Peixoto leram trechos de seus romances e falaram sobre as particularidades de um gênero que se reinventa há séculos, mas ainda suscita discussões sobre um possível fim. - Não é o romance que está moribundo. O mundo é diferente a cada dia e as histórias são lidas de maneira particular. Por isso é impossível falar do fim do romance, seria como falar do fim do mundo - opinou o escritor português José Luís Peixoto, sob aplausos entusiasmados.

A longa trajetória do gênero foi lembrada por Cristóvão Tezza, que falou sobre a ruptura do romance no começo do século 20, quando aconteceu a crise do narrador onisciente, o contador que domina todos os detalhes da narrativa. Autor de 12 romances, Tezza leu trechos de O fotógrafo (Rocco) e falou sobre a liberdade que as histórias permitem:

- O romance é um gênero pouco autoritário, o único que aceita vastas contribuições de outros discursos, como trechos de ensaios científicos.

Comparado a William Faulkner e José Saramago, Peixoto apresenta na Flip o livro Nenhum olhar, uma curiosa narrativa ambientada na região do Alentejo, em Portugal, onde o escritor nasceu. Entre encontros com o ''coisa-ruim'' e gêmeos siameses que nascem ''rasgando a mãe'' o livro, vencedor do Prêmio Saramago 2001, é como uma passagem para um mundo estranho e divertido entre as histórias que assustam crianças e o nonsense.

- O mundo é pequeno, mas o Alentejo é muito grande. Eu nasci numa aldeia minúscula e cresci ouvindo as histórias. Faço parte de uma geração de escritores portugueses pós-ditadura, que não precisa se posicionar politicamente - contou.

Da ficção pós-ditadura de Peixoto à poesia contemporânea brasileira. Expoente da geração 70 de intelectuais brasileiros, a editora Heloisa Buarque de Hollanda mediou o debate Coro dos contrários?, ontem, ao meio-dia, na Tenda dos Autores. Foi uma hora e meia de pura poesia. Alberto Martins, Cláudia Roquette-Pinto e Paulo Henriques Britto, dignos representantes da poesia dos anos 90, leram versos de seus livros e colocaram na berlinda a existência ou não das tais gerações.

Praticante de budismo tibetano, Cláudia, vencedora do prêmio Jabuti de poesia com Corola, lança, durante a Flip, Margem de manobra, pela Aeroplano. Entre uma e outra leitura de seus versos, a poeta contagiou o público com suas tiradas:

- Ler poesia é algo meio estranho. Sempre parece que perdemos algo. Espero que a gente ganhe em contato humano o que perdemos nas páginas - disse Cláudia, arrancando aplausos da platéia.

Alberto Martins entrou bem no clima da cidade. Todos os poemas que declamou - como Cardume, Antígona e Sobre o Atlântico - tinham o mar como linha do horizonte. Alguns deles selecionados de Cais.

- Sei que existe uma geração mais nova, poetas de 20 anos que vêem o modernismo como tirania. Não vejo assim. Acho que o movimento deu matriz comum a um grupo de poetas, no qual me incluo - acredita Martins.

Conhecido por suas traduções, Paulo Henriques Britto, ganhador da última edição do prêmio Portugal Telecom com Macau, é ainda mais radical com o conceito de geração:

- Acredito que a geração de 70 foi a última como um movimento. Não sei o que é fazer parte da geração 90.

Se os três poetas fazem parte realmente de uma geração, só o tempo pode dizer. Mas que eles representam um novo caminho na poesia não há dúvidas:

- Sinto que há um percurso individual. A poesia está mais exposta ao mundo. Talvez nesse sentido haja uma união - sintetiza Cláudia.