Título: O PT e a crise
Autor: Eduardo Matarazzo
Fonte: Jornal do Brasil, 10/07/2005, Outras Opiniões, p. A11

O Brasil atravessa uma crise política que afeta tanto o Executivo quanto o Legislativo. Essa simultaneidade é singular na história política brasileira. Entretanto é importante ressaltar que as instituições democráticas brasileiras estão em pleno funcionamento, o que demonstra a maturidade de nossa democracia. Mesmo passando por dificuldades existe uma confiança dos brasileiros em suas instituições. Os constituintes de 88 forneceram ao Estado brasileiro os instrumentos para que órgãos como a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União e o Ministério Público pudessem apurar todo tipo de desvios. Também dotaram o Congresso Nacional de instrumentos para que os parlamentares pudessem fiscalizar e apurar os atos do Executivo, como requerimentos de informação, capacidade de convocação de autoridades para prestar esclarecimentos e, no caso de se apurar fatos de maior complexidade, a constituição de comissões parlamentares de inquérito - as CPIs - com poderes jurídicos de investigação.

Hoje, temos órgãos do Executivo e do Legislativo investigando personalidades políticas por supostas irregularidades denunciadas pelo deputado Roberto Jefferson sem abalar a vida democrática brasileira.

Cabe ressaltar que o presidente Lula tem dado total apoio para que se apure todos os fatos. Mais do que isso, o presidente tem garantido a mais completa isenção das apurações. Diante da atual situação, é do interesse dos membros do PT dedicar todo o seu tempo para esclarecer completamente os episódios que são importantes para a vida do partido.

Na segunda-feira da semana passada Silvinho Pereira, então secretário-geral do PT, solicitou seu afastamento do cargo para poder se dedicar à preparação de sua defesa frente às acusações que lhe foram imputadas pelo deputado Roberto Jefferson. Na terça-feira, durante a reunião da executiva nacional do partido, o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, resolveu seguir o mesmo caminho. Acredito que ambos fizeram o melhor para o PT.

Na atual crise por que passa o Partido dos Trabalhadores o presidente José Genoíno também foi envolvido. Seu nome aparece tanto no caso do pagamento de um suposto ''mensalão'' para deputados da base aliada do governo, como em vultosos empréstimos para o PT junto ao Banco Rural, ao BMG e ao BB. Genoíno afirmou que assinou tais contratos ''em confiança ao companheiro Delúbio''.

Conheço José Genoíno há muitos anos. Fui testemunha de sua luta pela redemocratização do Brasil. Sua lealdade e companheirismo político são notórios e dispensam comentários. Participei com ele do ato de fundação do Partido dos Trabalhadores há mais de 25 anos. Foi um destacado deputado federal por vários mandatos e sua falta no Congresso é sentida por todos.

Como presidente do principal partido de sustentação do governo Lula, Genoíno não poderia ter assinado contratos de empréstimos onde o avalista, e em alguns casos o pagador do empréstimo, é o dono de empresas que prestam serviços para o governo federal. Apesar de Genoíno garantir que não sabia quem era o avalista dos empréstimos, isso não o exime de responsabilidade no caso.

Lembro-me do que aconteceu com o ex-chanceler alemão, o social-democrata Willy Brandt, que recebeu o prêmio Nobel da Paz em 1971 pelos esforços no estabelecimento de relações diplomáticas da então Alemanha Ocidental com a ex-União Soviética. Um dos membros de seu gabinete, Güter Guillaume, foi preso em 1974, ao ser surpreendido espionando para o governo da antiga Alemanha Oriental. Todo povo alemão tinha total confiança em Brandt. Mas, por ser o responsável pela nomeação de Guillaume, Brandt sentiu-se na obrigação moral de se afastar do cargo de primeiro ministro. Tal atitude engrandeceu Willie Brandt perante os alemães e o mundo.

Creio que esse exemplo deva ser seguido por José Genoíno, pois tal atitude, além de fazer jus à sua biografia, permitirá que o PT dedique seu tempo a esclarecer completamente os últimos episódios.

Acredito que este seja o momento certo para um salto de qualidade na relação entre Executivo e Legislativo, de maneira que cada parlamentar passe a analisar e votar os projetos de interesse do governo levando em conta apenas os interesses do Brasil e de todos os brasileiros.