Título: O desafio de aperfeiçoar
Autor: IDELI SALVATTI
Fonte: Jornal do Brasil, 27/10/2004, Outras Opiniões, p. A11

As ações de transferência de renda diretamente às famílias de menor poder aquisitivo iniciaram no Brasil pelo programa Bolsa-Escola, durante o governo Cristovam Buarque no Distrito Federal. Na época, 1995, esse programa mudou profundamente a concepção de ação social ao repassar diretamente o recurso e permitir que as famílias decidissem soberanamente o seu gerenciamento, ao invés da recepção passiva. Uma novidade foi o repasse ser feito à mulher, reconhecendo publicamente sua maior responsabilidade com a família. Havia também uma contrapartida: as crianças deveriam freqüentar a escola. Dessa forma, o Bolsa-Escola, no DF, beneficiou 10% das crianças do ensino fundamental, com o repasse de um salário mínimo, por mês, para 25 mil famílias.

Posteriormente, administrações municipais adotaram modelos similares e em 2001 o próprio governo federal criou o Bolsa-Escola. Em 2002, houve a diversificação com o Bolsa-Alimentação e o Auxílio-Gás. Em 2001, o Bolsa-Escola federal transferiu um montante de R$ 689 milhões. Em 2002, com os novos programas de transferência de renda, esse valor alcançou a cifra de R$ 2,5 bilhões. Em 2003, primeiro ano do Governo Lula, passou para R$ 3,5 bilhões e em 2004 deve se aproximar de R$ 6 bilhões. O presidente Lula entregou o cartão Bolsa-Família, há menos de um mês, à família número cinco milhões.

Já há inúmeros estudos dos resultados positivos dos programas de transferência de renda adotados no Brasil, inclusive com reconhecimento internacional. Esses resultados são tão mais relevantes quanto maior é a articulação e associação com outras ações de cunho social de geração de emprego e renda, capacitação profissional, educação e cultura. Márcio Pochmann, secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo, comprova em análises a influência desses programas na diminuição da violência e na geração de riqueza local pela conseqüente dinamização da economia.

Ao se falar de um programa como o Bolsa-Família, é bom ter na mente que se refere, em primeiro lugar, a uma transferência de renda para os que menos possuem. Em segundo lugar, trata-se do repasse de R$ 5 bilhões, para mais de 5 milhões de famílias, espalhadas por mais de 5 mil municípios. A magnitude desses números, por si só, imprime a ótica de que denúncias e falhas não devem se sobrepor ao valor do programa, em um país onde quase um terço da população está abaixo da linha da miséria.

Nas transferências de renda sempre causa muita preocupação a efetiva e justa destinação dos recursos. É lógico que a eficiência e o controle de um programa como o Bolsa-Família, no âmbito federal, é mais difícil. Até porque o repasse é federal, mas o cadastro é feito na esfera municipal.

Quando o Ministério do Desenvolvimento Social decidiu unificar os programas de transferência de renda e, principalmente, os cadastros, através de parcerias com prefeituras e governos estaduais, foi traçado como objetivo central sanar falhas e irregularidades. Só o início do processo de unificação dos cadastros já eliminou mais de 200 mil cadastros irregulares ou com duplicidade. Ao colocar no site do Ministério (www.mds.gov.br) a lista de todos os que recebem o Bolsa-Família e instalar um disque-denúncia (0800 707 2003), fica claro o compromisso com a transparência e o convite à fiscalização ampla, geral e irrestrita.

Aperfeiçoar sim, detonar não. Até porque, um programa que transfere um tal volume de recursos aos mais pobres, aos excluídos, não está livre de, sutilmente ou não, receber críticas e questionamentos.