Título: Custo do Descaso
Autor: Mariana Carneiro e Samantha Lima
Fonte: Jornal do Brasil, 07/08/2005, Economia & Negócios, p. A17

O Brasil paga cada vez mais pelo descaso com o futuro. Enquanto o governo aperta o cinto para cobrir os juros da dívida pública, seus cofres são assaltados diariamente pelos fraudadores do Instituto Nacional do Seguro Social. E, apesar das ações da Polícia Federal que desmantelaram diversas quadrilhas nos últimos anos, o desvio de dinheiro não pára de crescer. As últimas estimativas da força-tarefa criada para investigar as irregularidades apontam para incríveis R$ 29 bilhões em fraudes. O valor corresponde a 20% de tudo o que a Previdência Social pagará em benefícios este ano, cifra equivalente a sete vezes todo o montante supostamente movimentado nos esquemas de caixa 2 investigados pelo Congresso e seis vezes superior aos recursos empenhados na primeira fase da transposição do Rio São Francisco, maior obra de engenharia no país nos últimos 10 anos, que beneficiará 12 milhões de brasileiros.

Pressionado a economizar para melhorar o perfil dos gastos públicos sem mexer em direitos adquiridos, o governo Lula acaba de eleger o INSS como alvo. Afinal, a Previdência conta com o segundo maior orçamento da União. É um sorvedouro de recursos e, a cada dia, mais deficitário.

Mas o prometido choque de gestão esbarra em problemas estruturais, como a falta de apoio às investigações de irregularidades. Fechar os ralos por onde escoam os recursos públicos, afirmam dez em cada dez analistas, é prioridade para todos os brasileiros, que, cedo ou tarde, contarão com a aposentadoria para viver.

A principal arma da Previdência contra as fraudes está prestes a chegar ao quinto ano de vida enfraquecida. A força-tarefa enfrenta o sucateamento, como aponta o procurador federal responsável, Fábio Aragão. Da equipe de dois delegados na coordenação, três itinerantes e 15 agentes que atuavam até 2002 somente no Rio de Janeiro, principal alvo desta tropa de choque, hoje restam apenas dois, que entre janeiro e maio deste ano ficaram responsáveis por 354 processos.

- A força-tarefa na Polícia Federal se resume agora a uma sala com dois delegados, foi esvaziada - lamenta.

Com a fusão entre as áreas de fiscalização do INSS e da Receita, na recém-criada Super-Receita, é desconhecido ainda o futuro dos trabalhos de investigação. A expectativa é que a Previdência passará a ter ingerência apenas sobre a área de benefícios e imóveis. A linha de arrecadação - cujas fraudes são as responsáveis pelas maiores sangrias aos cofres públicos - ficarão a cargo da Receita Federal.

Apesar das dificuldades, foram feitas três grandes operações no Estado do Rio nos últimos meses, resultando em 16 prisões. A principal quadrilha desmantelada era composta por fiscais da área de arrecadação. Entre os denunciados, figuram Arnaldo Carvalho da Costa e Maria Auxiliadora Vasconcellos, acusados de fraudes que superam R$ 3 bilhões. Mesmo com danos desta magnitude, apenas dois continuam presos - Arnaldo e José Eduardo Iourno. Os outros 11 tiveram prisão preventiva revogada pela Justiça. Um dos despachos chegou a sugerir que o crime não era grave e, portanto, a prisão tornava-se desnecessária. Para se ter uma idéia do tamanho da fraude, apenas a fiscal Maria Auxiliadora incrementou seu patrimônio em meio milhão entre 2001 e 2002, segundo cálculos do Ministério Público. As fraudes na linha de arrecadação são mais combatidas por produzirem danos muito maiores ao Erário, devido à soma de recursos que nunca entrou nos cofres públicos.

Entretanto, o trabalho dessa pequena equipe não é suficiente. Se somadas as quantias desviadas pelas quadrilhas desmanteladas entre 2003 e maio de 2005 (R$ 2,8 bilhões), o valor não ultrapassa 10% do total de fraudes estimadas.

A politização dos quadros do INSS é apontada como um das principais raízes da corrupção no órgão. As linhas de investigação muitas vezes evidenciam o envolvimento de deputados e tesoureiros de partidos com quadrilhas que fraudam o instituto. Alguns parlamentares, inclusive, já respondem a processos, porém em segredo de Justiça, em Brasília, graças ao foro privilegiado. Mas não raro, pelos corredores do INSS no Rio, é fácil ouvir rumores de apadrinhados e esquemas de arrecadação partidária dentro do órgão público.

- Já comprovamos que, em anos eleitorais, as fraudes crescem muito. Em 2004, foi assim e, em 2006, certamente perceberemos o mesmo fenômeno - conta o procurador.

Os números comprovam a suspeita. Esquemas descobertos na área de benefícios - aposentadorias e pensões - desviaram 35% mais em 2004 do que em 2003.

Uma das iniciativas esperadas para já é a extinção das superintendências regionais. Assim, os gerentes-executivos do INSS ficariam subordinados diretamente a Brasília. Somam 102 as gerências em todo o país, contra nove superintendências. A idéia, segundo fontes ouvidas pelo JB, é disseminar o poder normalmente centralizado nas mãos de afilhados políticos. A dúvida, entretanto, é como ficará a indicação das gerências do órgão. Desde a gestão de Ricardo Berzoini na Previdência, não há concurso entre os funcionários para ocupar as vagas de chefia e a alocação dos postos é feita a partir de indicações que partem de Brasília.

- Por ter um orçamento enorme, a Previdência é muito cobiçada politicamente na reposição de cargos. Nos últimos dois anos e meio, quatro ministros passaram pela pasta. Quando muda o ministro, até o controle do posto é alterado. O INSS, que deveria ser ocupado por quadros técnicos, virou moeda de troca para aliados. O PFL controlou o órgão durante o mandato FHC e, na gestão de Lula, foi para as mãos do PMDB. O exemplo, que deveria vir de cima, simplesmente não existe - pondera Aragão. - Certa vez, fui prender um fraudador, um reles soldado, que dizia: ''eu vou ser preso? Se todos podem roubar, por que eu não posso?''. Ele vai ficar detido, como está até hoje, mas muitos acima dele permanecerão soltos.