Título: Além do Fato: Ainda falta muito
Autor: Samantha Lima e Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 07/08/2005, Economia & Negócios, p. A19

Em época de confusão no cenário político, a edição de medidas provisórias como a MP 258, que criou a Receita Federal do Brasil, já chamada de Super-Receita, juntamente com divulgação de um choque de gestão, pode parecer mais uma tentativa de criar uma agenda positiva conveniente ao Poder Executivo neste momento. A dificuldade de vislumbrar a motivação da urgência e relevância na edição dessa medida provisória apenas reforça a desconfiança geral. Entretanto, necessária se faz a análise técnica do normativo, de modo a aprimorá-la, para a apreciação pelo Congresso Nacional ¿ se esta vier a ocorrer, pois com tantas CPIs concomitantes, não se pode garantir nenhuma atividade produtiva do Legislativo.

A maior eficiência da Secretaria da Receita Federal ¿ SRF ¿ em relação à Secretaria da Receita Previdenciária (INSS) ¿ SRP ¿ é pública e inquestionável. Mesmo tendo este último órgão se aprimorado nos últimos anos, a pressão exercida pela fiscalização junto aos contribuintes (pessoas jurídicas e físicas) era muito mais perceptível quando se tratava da SRF.

O melhor desempenho da fiscalização da SRF em comparação com o do INSS se repete quando os eventuais créditos fiscais seguem para a fase de cobrança, pois a ação da Procuradoria da Fazenda é usualmente mais célere e eficaz do que aquela exercida pela Procuradoria do INSS.

Importante ressaltar que os melhores resultados obtidos na fiscalização e cobrança dos créditos tributários pela SRF/Procuradoria da Fazenda Nacional é decorrente de questões estruturais e organizacionais, e não de qualidade profissional, pois tanto os fiscais quanto os procuradores do INSS exercem suas funções com dignidade e rodeados por dificuldades operacionais.

Neste diapasão, a transferência das funções de fiscalização e cobrança de créditos fiscais para a Super-Receita parece ser uma boa estratégia, entretanto, o seu êxito é muito mais complexo e não será resultado imediato e direto da simples fusão dos órgãos.

Engana-se, porém, quem imagina que a maior eficiência da SRF irá ser transmitida por osmose para a Super-Receita pelo aproveitamento da estrutura e forma de atuação do antigo órgão, quando do recebimento da estrutura do INSS.

Caso esta estratégia seja implementada sem cautela e com a pressa que tenta ser imposta pela Medida Provisória ¿ por que não apresentar um projeto de lei para maturação e melhoramentos no Congresso Nacional? ¿ o resultado pode ser exatamente o contrário, com piora na eficiência.

Os fiscais da SRF e procuradores da Fazenda Nacional tratam de assuntos e matérias completamente distintas daquelas aplicáveis às contribuições previdenciárias administradas pelo INSS. As obrigações acessórias impostas aos contribuintes são causas primordiais do bom desempenho da SRF. As bases de cálculo dos tributos e contribuições administradas pela SRF não guardam qualquer similaridade com as contribuições previdenciárias. Ora, não haverá ganho de tempo, e poderá ocorrer a redução do número de fiscais! Ademais, os bancos de dados e os sistemas são distintos (Serpro e Dataprev). Os pontos aqui listados já são suficientes para que a luz amarela de alerta seja ligada.

Necessários outros alertas, pois a MP 258 deixa de abordar questões importantes que seriam fundamentais em um choque de gestão que busque resolver os problemas do déficit da previdência social.

O nó górdio do INSS está na área de concessão de benefícios, reconhecido foco de fraudes e pagamentos de aposentadorias e pensões fora das determinações legais, e esta não foi abordada na MP.

O tratamento dos benefícios de natureza assistencial, administrados e pagos pelo INSS, e que acabam por refletir no déficit do órgão, também ficaram fora do choque de gestão.

Muita coisa ainda deve ser feita na esfera tributária e previdenciária na busca de uma melhor gestão do patrimônio público. De todo modo, as iniciativas neste sentido devem ser sempre aplaudidas, mesmo aquelas feitas sem a participação efetiva de toda a sociedade e que deixam tantas pendências a serem resolvidas.

*Mestre em Direito Tributário pela UFMG, professor e sócio da Martinelli Advocacia Empresarial