Título: Ineficiência Gera Rombo
Autor: Samantha Lima e Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 07/08/2005, Economia & Negócios, p. A19

Para imprimir à Previdência Social a eficiência que se espera de um órgão responsável hoje pelo sustento de 23 milhões de pessoas até o fim de suas vidas, o governo terá de ir além do combate às fraudes e buscar soluções para outros problemas crônicos e próprios de um caixa bilionário. O chamado choque de gestão precisa, na opinião de especialistas, atacar a sonegação e aperfeiçoar o funcionamento da máquina que arrecadará R$ 108 bilhões em 2005, mas que, dragada por despesas de R$ 146 bilhões, fechará o ano com um rombo de R$ 38 bilhões. A conta do déficit não inclui um enorme passivo, relativo a dívidas não pagas. De acordo com a Procuradoria Federal junto ao INSS - que deixará de existir com a criação da Super-Receita -, a dívida ativa, ou seja, os débitos em cobrança judicial, atingem R$ 134 bilhões. Outras dívidas, no entanto, nem sequer chegaram à via judicial e somam inacreditáveis R$ 230 bilhões, segundo dados da Associação Nacional dos Servidores da Previdência Social (o ministério não divulga esta informação). Somados, os débitos são 3,3 vezes superiores à arrecadação prevista para 2005. E, se voltassem ao caixa da Previdência, pagariam duas vezes e meia todos os benefícios que serão concedidos neste ano.

- Há empresas que não pagaram e não pagarão mais suas dívidas com o INSS, como a Varig ou a Vasp. É um passivo tão alto que não é cobrável - opina Kaizô Beltrão, economista do IBGE e expert no tema.

Além de não cobrar a quem deve, o governo muitas vezes acaba premiando os devedores com programas de parcelamento, que, alertam os especialistas, podem ser benéficos à economia, mas acabam sendo perigosos para as contas da Previdência no futuro.

- Como prover o que deveria estar entrando nas contas da Previdência? E o Simples (cujo teto o governo estuda ampliar) faz parte desse conjunto de medidas - avalia Kaizô. - O governo padece de um vício moral, de dar mais do que deveria.

- O governo precisa parar de promover sucessivos Refis (programa de reestruturação de débitos fiscais). Fernando Henrique editou o primeiro, Lula fez outro e já está em avaliação uma proposta para elevar em 240 meses o prazo para que grandes devedores quitem seus débitos. Esses programas ainda tiraram do fiscal o poder de chamar a polícia e mandar prender o devedor. Isso sinaliza para os contribuintes que não pagar em dia é um bom negócio. É um desestímulo ao bom pagador - critica Paulo César de Souza, presidente da Associação Nacional de Servidores da Previdência Social (Anasps).

Para o advogado especialista em Previdência Fábio Junqueira, do escritório Martinelli Advogados, a impunidade de devedores ocorre muitas vezes devido ao abrandamento da fiscalização na esfera do INSS. Segundo ele, o instituto é mais ''ausente'' do que a Receita Federal e ''menos coercitivo'' em casos nos quais é detectada sonegação.

- Há pelo menos 15 anos ouvimos falar de uma necessidade de choque de gestão na Previdência, mas ele nunca foi feito efetivamente. Hoje, com a estrutura de cobrança existente, leva-se muito tempo para verificar quem paga, quanto paga e se o cálculo está correto. E do que o sonegador mais precisa é tempo.

Segundo ele, entre a autuação e a execução da dívida leva-se, no mínimo, oito anos e, a partir daí, até o dinheiro chegar ao INSS, é um longo caminho, muitas vezes nunca percorrido.

Sem sonegação, estima-se que a Previdência poderia arrecadar até 40% mais - traduzindo: R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões perdidos por ano.

Na contramão do discurso que prega o enxugamento da máquina pública, Souza defende, além da remontagem da equipe de fiscais, a imediata contratação de novos servidores.

- No total, o INSS tem um déficit de 11 mil funcionários - contabiliza.

Fábio Junqueira concorda que é necessário um reforço na estrutura de trabalho dos funcionários, a começar pelos procuradores.

- É possível melhorar a eficiência do INSS sem gastar mais ou alterar o código de execuções fiscais - opina. - A falta de infra-estrutura para o funcionário muitas vezes é a culpada pelo atraso no prazo de cobrança.

Para o presidente da Anasps, outro alvo de atuação deveria ser a Dataprev, empresa responsável pelo processamento de dados da Previdência.

- A Dataprev possui um sistema de informação que não pode ser integrado a nenhum outro na estrutura do governo. Assim, fica impossível cruzar dados, o que seria fundamental para reduzir o índice de fraudes. Quando uma pessoa morre, leva-se anos para se dar baixa no benefício. É um órgão inchado, com um orçamento gigante, que não serve à Previdência como deveria. Para quê, por exemplo, a Dataprev mantém escritórios regionais? - questiona.

Procurado, o Ministério da Previdência enviou nota que o novo presidente da Dataprev, Antônio Carlos Carvalho, encaminhou aos funcionários da estatal. Segundo ele, os ministérios do Planejamento e Fazenda darão ''apoio'' à instituição, que receberá investimentos tecnológicos no ''curto e médio prazos'', além de ''saneamento financeiro''.

Outra sugestão de Souza para melhorar a identificação de débitos é a criação de uma declaração de ajuste anual da Previdência, a exemplo da existente no Imposto de Renda.

- Espero que, com a criação da Super Receita, essa idéia ganhe força.

Na edição de amanhã, como tornar a Seguridade Social sustentável