Título: Da velhice com rabeca
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 19/08/2005, Outras Opiniões, p. A11

Muito se tem falado em política e valores morais nestes últimos meses. Este é um tema permanente na atividade pública. Alceu Amoroso Lima, no prefácio que escreveu para O Homem e o Estado, estudos coordenados por Alejandro Bugallo, disse que a política não é uma solução total do destino humano, mas ''uma condição para essa solução'', acrescentando na citação de Walter Lippman que ''o homem é um animal ingovernável''.

Em cada momento, em cada tempo, em cada século, em cada ano, na experiência mesmo do espaço de nossas vidas, vamos sedimentando idéias, conceitos, práticas e caminhos de encontrar e resolver a situação do mundo, a começar por nossas cidades, por estados, países, continentes.

A longa vida nos faz, com os anos, saber que o que pensamos já foi pensado e que as nossas soluções já foram testadas e, mais ainda, que o tempo que vivemos, em algum momento, já foi vivido. Daí porque a velhice traz um pouco de contemplação e de compreensão.

Bobbio - de quem outro dia o senador Jefferson Perez me recordou seu livro sobre a tranqüilidade - O elogio da serenidade e outros escritos morais -, escreveu outro sobre a senectude, aqui traduzido como O tempo da memória. Ali ele diz que a velhice é um tema não acadêmico. ''Falo como velho e não como professor.'' A experiência vivida, que sempre preocupou os pensadores na linha memorável de Cícero, que abriu caminho e escreveu o mais profundo livro sobre o assunto, De Senectute, nos ensina a não achar, em momentos de dificuldades, que o mundo vai acabar.

Sou tentado a falar também de velhice e amor. Não sei quem me disse que o amor é uma coisa tão eterna que devia ser descoberto somente na velhice, para morrer conosco, e não atributo da juventude, que o torna passageiro. Gabriel Garcia Márquez escreveu um livro belíssimo sobre o amor dos velhos, Amor nos tempos do cólera, aquele romance que corre belo nas águas do Rio Madalena. Por sinal, também, escreveu um dos piores livros sobre o tema, Memórias de minhas putas tristes, livro de circunstância que não está a altura do seu gênio. O nosso Gabo não soube como terminar o livro e perdeu-se.

A velhice traz o domínio da tranqüilidade e da serenidade. A política é sempre um mundo de paixões. Daí ser difícil, aos vividos, perder a cabeça na paixão da política. Talvez não seja tanto nas questões do amor.

Rui Barbosa - e hoje estou citando demais - separa política de politicalha. São diferentes. A política, a arte de gerir o Estado, é definida por princípios morais. ''A politicalha é a industria de explorar, nela, interesses pessoais.''

Ontem, vimos o quanto é nocivo transferir para a sociedade a luta política. Um dia, os estudantes dizem sim, outro dia dizem não. Como na Argentina, com o atraso de cinco anos, ouve-se o grito ''Fora Todos!'', ''Congresso, Partidos, Deputados, Todos!''. Na Argentina, também, esse era o grito: ''¡Que se vayan todos!''

Mas em meio a tudo isso é necessário manter a serenidade, compreender que tudo passa. Se todos vamos, os que protestam também. É a tal política de multidão, podemos dizer da cólera, antítese da política do bom senso.

Repetir, assim e assado, o provérbio nordestino, por mim tantas vezes citado e que acho muito bom e próprio para muitas horas: ''Com grito não se afina rabeca.''

José Sarney escreve às sextas-feiras no JB