Título: A responsabilidade do Senado
Autor: Ney Suassuna
Fonte: Jornal do Brasil, 25/08/2005, Outras Opiniões, p. A11

A política é algo realmente surpreendente. Há poucos meses o país vivia um momento de verdadeira calmaria. Começavam aparecer os primeiros resultados de uma política econômica responsável e austera, os indicadores sociais apontavam para uma melhora em seus índices e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia ter sua reeleição garantida. Um flagrante de corrupção nos Correios envolvendo um funcionário do quarto escalão, que a princípio seria apenas um problema policial, acabou por gerar a maior crise política enfrentada pelo país desde o impeachment do ex-presidente Fernando Collor.

De lá para cá um turbilhão de denuncias invadiu o país tomando conta do Congresso Nacional e, pior, do Executivo Federal. Como um vírus, a crise parece ter contaminado todas as instituições públicas, resultando numa paralisia geral e absoluta. As denúncias se avolumam numa velocidade estonteante. Mal conseguimos digerir uma informação e já somos bombardeados por outra ainda mais grave. O pior é que não vemos perspectiva de que as coisas mudem num curto espaço de tempo sem que antes deixe pelo caminho muitos mortos e feridos.

A grande preocupação de parte do Congresso - pelo menos dos parlamentares que não pensam apenas no palanque eleitoral - é de que essa paralisia não acabe com os avanços do país no âmbito da política econômica. Há algumas semanas venho alertando para o fato de que, embora tenhamos a obrigação de apurar tudo com rigor, não podemos deixar a crise tomar conta de todos os trabalhos da Casa, como vem ocorrendo nos últimos meses. O Congresso deve continuar investigando as denuncias por meio dos instrumentos legais de que dispõe - no caso são as CPIs que estão em andamento -, mas isso não significa que tenha que se limitar apenas ao trabalho nas comissões parlamentares, esquecendo o seu papel principal: votar matérias de interesse da nação.

Não podemos e nem devemos transformar o plenário num ringue político, emperrando votações importantes e aprovando medidas irresponsáveis, como ocorreu na semana passada quando da votação do salário mínimo, com o mero intuito de constranger o governo, mais especificamente o presidente Lula. Embora o descuido da base governista no Senado tenha sido rapidamente corrigido pela Câmara, que restabeleceu o valor de R$ 300 para o mínimo, o mercado financeiro reagiu imediatamente ao resultado no Senado, aumentando o risco país.

A crise política é séria, por isso mesmo não podemos perder o bom senso. Colocar a disputa política acima de questões importantes, gerando desestabilização econômica, pondo em risco o esforço de anos para ajustar as contas públicas é um fato bastante preocupante, pois o Senado tem responsabilidade na economia do país e não pode se deixar levar pelo calor do momento político.

A história já provou que todas as decisões tomadas em momentos de açodamento político geraram conseqüências graves, resultando em problemas que enfrentamos até hoje. O Congresso necessita ter a mesma maturidade política para enfrentar a atual crise que teve na votação do impeachment e logo depois na investigação dos chamados ''anões do orçamento'', quando o Congresso foi obrigado a cortar na própria carne. Bom senso nunca é demais e o nosso país precisa mais do que nunca de pessoas sensatas.