O Estado de S. Paulo, n. 46639, 27/06/2021. Economia & Negócios, p. B1

Estrangeiras retomam investimentos e elevam entrada de capital no Brasil

Filipe Serrano


A melhora das perspectivas econômicas e o avanço da vacinação contra a covid-19 fazem com que empresas multinacionais voltem a olhar para o Brasil. Companhias estrangeiras têm anunciado planos de expansão, aquisições ou aportes de capital.

A melhora das perspectivas de crescimento da economia e o avanço da vacinação contra a covid-19, ainda que lento, já fazem empresas multinacionais retomarem os planos de investimento no Brasil, antes paralisados ou prejudicados por causa da pandemia. Nos últimos meses, tem crescido o número de companhias estrangeiras que anunciam novos projetos de expansão, aquisições ou aportes de capital no País.

O grupo português de distribuição e geração de energia EDP, por exemplo, anunciou recentemente um plano de investir R$ 10 bilhões no Brasil nos próximos cinco anos. A montadora francesa Renault pretende aplicar R$ 1,1 bilhão em sua linha de produção já neste ano e no próximo. A marca de alimentos e bens de consumo Nestlé, da Suíça, fará um investimento de R$ 900 milhões em suas fábricas no País.

Já a norueguesa Equinor, do setor de petróleo e gás, revelou este mês que planeja investir US$ 8 bilhões, ao lado de empresas parceiras em um consórcio de exploração de petróleo, para iniciar a extração no campo de Bacalhau, na Bacia de Santos, que deve começar a operar em 2024. "Temos uma perspectiva de longo prazo. Até 2030, esperamos investir mais de US$ 15 bilhões", diz Veronica Coelho, presidente da Equinor no País.

A retomada dos aportes estrangeiros é vista no indicador de investimentos diretos no País (IDP), divulgado pelo Banco Central (BC). Depois de despencar em 2020 para o menor nível em 10 anos, os investimentos voltaram a crescer.

De janeiro a maio, a entrada de recursos de empresas estrangeiras somou US$ 22,5 bilhões, de acordo com os dados do BC. O valor é 30% maior do que no mesmo período do ano passado, quando o IDP acumulado foi de US$ 17,3 bilhões. Mas a quantia está abaixo do nível de 2019, antes da pandemia, de US$ 26,1 bilhões.

Ainda que uma parte significativa do IDP seja composto por reinvestimentos dos lucros obtidos no País, o investimento direto é visto como um recurso de mais qualidade, porque é destinado à atividade produtiva.

A expansão está longe de alcançar os patamares de anos anteriores. Considerando os últimos 12 meses encerrados em maio, os investimentos diretos representavam 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB), nível abaixo do registrado nos últimos anos. Entretanto, as condições agora são mais vantajosas para a entrada de estrangeiros.

"O custo de entrar no Brasil está relativamente baixo, por causa da depreciação do real. É um ambiente favorável para aportes produtivos no curto prazo. É claro que no Brasil há sempre muita incerteza. Mas, seis meses atrás, as perspectivas eram piores", diz o economista Livio Ribeiro, pesquisador associado do Ibre/FGV e sócio da consultoria BRCG.

Empresas miram longo prazo, mas riscos preocupam

Na visão do economista-chefe para a América Latina do banco Goldman Sachs, Alberto Ramos, o crescimento dos investimentos poderia ser maior se a agenda de reformas tivesse avançado mais rapidamente e o governo tivesse se empenhado em promover reformas mais significativas. "O Brasil poderia estar atraindo muito mais investimento direto dado o potencial e a dimensão da economia", diz Ramos na entrevista a seguir.

• Como avalia a alta do investimento estrangeiro neste ano?

Com a retomada do crescimento e a melhora do resultado das empresas, é normal que elas decidam investir no negócio e que isso leve a uma melhora dos fluxos de investimento. Agora, a gente não pode se contentar com pouco. O Brasil poderia estar atraindo muito mais investimento, dado o potencial e a dimensão da economia. O Brasil, com uma situação fiscal saneada, com outro quadro político, poderia ter um nível de investimento extraordinário, mas não tem.

• O que impede uma entrada maior de recursos?

É o risco fiscal. O Brasil ainda tem uma situação fiscal extremamente delicada. Os anos vão passando e as reformas fiscais não avançam. A gente

começou a falar do ajuste fiscal quando a presidente Dilma Rousseff foi reeleita. Já estamos há sete anos consecutivos com déficit primário, sem perspectiva de que chegue a um superávit no curto prazo. Cada vez que há uma sobra no Orçamento, como agora, há mil e uma maneiras para justificar os gastos. E fazer ajuste que é bom, nada.

• Tem percebido um aumento do interesse pelo Brasil no exterior?

O interesse caiu muito nos últimos dois anos. O grande investidor estrangeiro se desinteressou pelo País. O Brasil desencantou. Começou a haver um pouco mais de interesse neste ano. O próprio real está se valorizando com a subida dos juros, e a volta do crescimento. Aos trancos e barrancos, o processo de vacinação avança. Mas, em relação ao potencial do Brasil, ainda tem muita estrada pela frente.