Título: A cozinha moderna de Fidel Castro
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 10/09/2005, Internacional, p. A9

No início do ano, o presidente Fidel Castro foi para a TV, no melhor estilo show-business, para apresentar ao país novos eletrodomésticos para a cozinha que estariam disponíveis para a população ''em breve''. Foram aparições de quatro horas cada, quando aproveitou para elogiar os novos mimos e explicar o quanto são mais econômicos do que as geladeiras americanas da década de 50. Seis meses depois, pouquíssimos cubanos tiveram acesso às maravilhas da cozinha moderna. Há quem ache que a novidade ainda não ''pegou'' devido ao medo geral de que o natural aumento do consumo provoque uma pane no frágil sistema de fornecimento de energia elétrica da ilha.

Mas o temor parece passar ao largo da lista de preocupações do líder da revolução no último reduto comunista do Ocidente. Nas entrelinhas de seus comerciais estatais, anunciando panelas elétricas para fazer arroz vindas da China, o presidente se vangloriava do que considera a recuperação econômica de Cuba após o colapso da União Soviética.

Na verdade, Fidel Castro está animado com a obtenção de crédito da China e de um financiamento generoso para a compra de derivados de petróleo oferecido pela Venezuela, em troca de serviços médicos. Por isso, está gastando US$ 600 mil para dobrar a capacidade de geração elétrica do país em um ano e para importar milhões de eletrodomésticos chineses a serem vendidos a preço de custo pelo Estado. Também anunciou que já comprou milhares de transformadores e milhões de metros de fios para resolver o problema e a aposta no sucesso dos novos produtos.

Durante suas aparições na TV, Fidel também achou que poderia aproveitar a oportunidade para ensinar os telespectadores a fazer arroz, que, com o feijão, é base da dieta básica cubana. Não agradou, e o fato de achar que alguém podia não saber fazer arroz foi considerado ''falta de respeito'' por algumas donas-de-casa do país onde a venda de fogões elétricos já chegou a ser proibida por conta dos problemas no fornecimento de energia elétrica. Agora, os fogões, ao lado de máquinas de lavar e ventiladores integram o pacote de eletrodomésticos chineses que o governo quer importar, além de panelas de pressão brasileiras.

A maioria dos 1,2 milhão habitantes de Cuba ainda cozinha com fogões caseiros, utilizando querosene, óleo diesel, madeira e carvão. Em Camaguey, terceira cidade de Cuba, por exemplo, o ar da noite tem o cheiro dessas substâncias queimando, já que os moradores cozinham em seus quintais. O hábito, aliás, acaba se tornando outro obstáculo no sonho de Fidel de ver todo o país com os novos brinquedos: poucos sabem como lidar com os novos aparelhos e muitos estão céticos com relação às vantagens alardeadas na TV.

Enquanto os cubanos não ''compram'' a nova revolução de Fidel, uma piada circula no país comunista-ateu:

- Você soube que as mercadorias finalmente chegaram e estão sendo estocadas nas igrejas?

- Por que?

- Porque só vão ser distribuídas quando Deus quiser.