Título: ''Discussão é prematura''
Autor: Paulo de Tarso Lyra e Daniel Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 11/09/2005, País, p. A4

O deputado Ciro Nogueira (PP-PI), que já foi indicado pelo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), para um cargo na Esplanada durante a última reforma ministerial, vive dias de constrangimento. Mais um integrante do baixo clero alçado para os holofotes após a vitória de Severino em fevereiro, Ciro não esconde o incômodo de ter de julgar o seu padrinho político, às voltas com suspeitas de corrupção. No fio da navalha, o corregedor-geral da Câmara tenta se ater às questões jurídicas, esquecendo-se que os julgamentos no Congresso são políticos.

¿ Acho pouco provável que Severino tenha recebido alguma vantagem financeira. Se recebeu, fica totalmente insustentável, eu concordo. Agora, tem de provar. Apesar das evidências que se amontoam contra Severino, Ciro assume a tarefa de escudeiro do partido e do próprio Severino, chamando de abutres os parlamentares que já lançaram seus nomes para suceder o presidente da Casa, antes mesmo dele se afastar do cargo. E ironiza os partidos de oposição.

¿ Se você procurar agora quem votou no Severino... O PFL está dizendo que não votou, o PSDB diz que não votou, o PPS diz que não votou.... Em relação ao PP, Ciro confirma que será um direito do partido reagir caso Severino seja afastado sem provas. Ele admite que ouviu pelos corredores da Casa que o líder do partido, José Janene (PR), está ameaçando outros deputados, inclusive o próprio Severino. Mas jura que jamais presenciou qualquer movimento concreto do líder do PP neste sentido. Confira os principais trechos da entrevista concedida ao Jornal do Brasil.

- O senhor acha prematura a discussão sobre a sucessão de Severino Cavalcanti?

- É prematuro. Tenho certeza de que as pessoas que já se colocam como candidatos não serão presidentes da Casa. A Câmara não gosta de quem se coloca como abutre.

- A situação do presidente da Câmara é insustentável?

- Acho pouco provável que o Severino Cavalcanti tenha recebido alguma vantagem financeira. Se recebeu, fica totalmente insustentável, eu concordo. Agora, tem de provar. Tenho sempre dito que ninguém cassa presidente porque ele fala coisas que as pessoas não gostaram, se veste mal ou porque é feio, é nordestino. Ele deu uma entrevista para a Folha de São Paulo que não foi compreendida. Isso prejudicou sua imagem.

- Caixa dois é um crime menor, como disse o presidente da Câmara?

- Crime é crime. Lógico que há crimes mais graves. Não farei juízo de valor porque participarei dos julgamentos no Conselho de Ética. Mas acho que um deputado precisa ter, sobretudo na parte financeira, total transparência. Não pode haver mácula.

- Caixa dois tem de ser punido com cassação de mandato?

- Não pretendo pré-julgar ninguém. Acho que houve um erro gravíssimo na CPI por não ter ouvido os 18 parlamentares (que tiveram a cassação recomendada).

- O senhor concorda com as afirmações de que Severino Cavalcanti não está preparado para presidir a Câmara?

- Não. Foram 300 parlamentares que o elegeram. Mas, se você procurar quem votou no Severino... Só eu, ele, o (Luiz Eduardo) Greenhalgh. Acho que o Greenhalgh tenha votado. O PFL diz que não votou, o PSDB e o PPS também.

- São esses os abutres que o senhor mencionou?

- Não. Abutre é a pessoa que já está se lançando candidato.

- Falta autoridade aos partidos para criticar?

- A pessoa quando vota tem de cobrar, pode discordar. Só quero dizer que foram essas pessoas que votaram.

- O que move a oposição na ofensiva contra o presidente da Câmara?

- A oposição está pegando um filão que está dá repercussão. Tem gente que quer esclarecer os fatos, quer que a Casa seja passada a limpo. Mas também há figuras conhecidas na Casa querendo chamar holofote a qualquer custo.

- O senhor pode citar alguém?

- Não gostaria. Tenho certeza que todos na Casa sabem quem é que precisa sair com melancia para aparecer.

- O Severino vai se afastar da presidência?

- Quando perguntei ao Severino se não achava que a crise estava muito grave para ele viajar (para Nova York), ele disse: ''Ciro, sou inocente, não mudarei nada da minha vida''.

- O documento, assinado por Severino, renovando a concessão do restaurante Fiorella não é uma prova contundente?

- Quando chegou a cópia do documento, falei com ele. Ele disse: ''Ciro, o que estou dizendo é que não assinei esse documento.''

- Não é fundamental que o caso seja apurado como prioridade máxima?

- Sim. Acho que até o início da semana teremos a lista das as pessoas que terão de prestar depoimento. O ponto seguinte é ouvir o presidente. Espero estar com isso concluído até o fim da outra semana.

- O presidente da Câmara é da Mesa Diretora. Não é um enorme constrangimento ele encaminhar o próprio processo?

- Essa decisão é pessoal. Não existe nada no regimento que o obrigue a se afastar.

- Como será a eleição para a sucessão de Severino?

- Será a eleição mais imprevisível da história. Surgirão dez candidatos no plenário, porque a Câmara não tem uma grande liderança que seja unanimidade. Haverá guerra entre a base aliada e a oposição. Estará em jogo um cargo que tem o poder de abrir processo de cassação contra o presidente da República.

- Comenta-se que as denúncias aumentarão bastante se Severino Cavalcanti for obrigado a deixar a presidência. O senhor concorda?

- Depende da forma como for feito. Se o presidente for afastado com provas, é legítimo. Agora, se tentarem afastá-lo sem provas, acontecerá isso. É um direito dos partidos reagir.

- O PP pode reagir?

- O PP não aceitará, de bom grado, se tentarem tirar Severino sem provas. Se tiverem provas, é outra coisa.

- PSDB e PFL também têm parlamentares sob suspeita. Não deveriam ter cautela?

- Espero que muitas pessoas estejam tomando essas atitudes pensando em passar a Casa a limpo. Se for para tentar cassar o presidente da República, aí não é louvável.

- Não seria necessária também rigorosa investigação sobre o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e os deputados Custódio Mattos (PSDB-MG) e Ronivon Santiago (PP-AC)?

- Quem deve responder é a CPI. Mas todo parlamentar que tem denúncia de corrupção tem de ser investigado.

- E o caso de Ronivon Santiago? O PP diz que o dinheiro que recebeu de Marcos Valério foi para pagar advogados que o defendem na Justiça.

- Vamos analisar no Conselho de Ética.

- Comenta-se que parlamentares sob investigação, como o líder do PP José Janene (PR), estão ameaçando colegas para evitar a cassação de seus mandatos.

- Há algum tempo, comenta-se na mídia que o líder Janene teria pressionado o presidente Severino. Nunca presenciei.

- O presidente Severino nunca reclamou?

- Já estive diversas vezes com o Janene e com ele e nunca vi uma ameaça.

- O senhor teme açodamento nos julgamentos?

- Espero que no Conselho de Ética não haja açodamento, e as pessoas sejam julgadas com amplo direito de defesa para que não haja nenhum questionamento.

- Os partidos correram para o Conselho de Ética temendo que a Corregedoria transforme tudo em pizza. Procede?

- É uma coisa que não tem muito sentido. Se o corregedor resolver segurar um deputado que é corrupto, o partido tem o direito de dizer: ''Vou passar por cima de você e vou representar'' (no Conselho de Ética).

- A pressa em encaminhar ao Conselho de Ética os pedidos de cassação dos 18 parlamentares é para que eles cheguem antes do processo contra o Severino?

- Não tem nada a ver, já estava marcado. Todos sabem o dia que os 18 vão para o Conselho.

- Severino está abandonado pela sua base eleitoral na Casa?

- De forma nenhuma. Acho que a base eleitoral espera que se esclareçam os fatos. Os deputados estão ansiosos. São denúncias que têm de ser esclarecidas.

- O senhor não teme que o voto secreto absolva os deputados sob investigação?

- É uma coisa que a gente só saberá quando as pessoas forem julgadas no plenário.