O Globo, n. 32714, 02/03/2023. Economia, p. 14

Haddad vence um duro teste

Míriam Leitão


O Ministério da Fazenda estava decidido a não cometer dois erros: manter a desoneração ou forçar preços baixos da Petrobras. Foi, então, por um caminho em que reonerou em parte a gasolina, aproveitou uma queda de preços que ocorreria mesmo e completou a diferença com uma decisão bem controversa, a de impor imposto de exportação sobre petróleo cru, de 9,2% por quatro meses. Isso foi um terceiro erro que a Fazenda não conseguiu evitar? A indústria de petróleo diz que sim, muitos economistas concordam, mas na equipe econômica o argumento é que na alta recente do petróleo vários países, como a Inglaterra, por exemplo, criaram impostos sobre os ganhos inesperados das petroleiras.

A questão é que há uma larga literatura contra taxar a exportação, porque faz o país perder competitividade, acaba sendo um tiro no pé. E, além disso, o caminho argentino foi o de sair taxando a exportação de vários produtos, e isso aprofundou a crise econômica.

No mercado de petróleo o argumento é que foi dito no Brasil, na época das rodadas de concessão, que o país tinha previsibilidade. As empresas acham que houve quebra desse princípio. Muitas delas vieram para explorar petróleos que não são refinados internamente, porque são muito pesados. Então investem aqui apenas para exportar. E agora terão esse aumento inesperado de custo. No governo, se diz que os contratos são fechados com antecedência, portanto, as exportadoras brasileiras não serão afetadas nesse curto período.

No pré-sal, as empresas exploram petróleo em contrato de partilha. Nesses casos, para se saber quanto de óleo será distribuído para a União, descontam-se todos os custos. Agora, será descontado também o imposto de exportação, o que significa dizer que parte desse imposto será pago indiretamente pelo próprio governo.

Evidentemente, o tributo não vai estimular o refino no Brasil, ao contrário do que disse o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, porque em quatro meses ninguém toma uma decisão de investir em uma refinaria. Isso é discurso para o público interno.

Da perspectiva do ministro Fernando Haddad, a reoneração da gasolina e a restauração da receita de R$ 28 bilhões eram um passo dentro de uma trajetória que ele estabeleceu como plano econômico. A proposta é chegar ao fim do ano com um déficit de menos de 1% do PIB, o que significa que terá que recompor receitas ou cortar gastos em torno de R$ 150 bilhões. Se ele fosse vencido nesse primeiro passo, a perda de credibilidade seria enorme, talvez irrecuperável. Não há decisões simpáticas no caminho do ajuste fiscal. E essa era apenas para acabar com uma demagogia eleitoreira feita por Bolsonaro e que prejudicou o país. O que o governo poderia dizer para o seu público interno insatisfeito com a decisão é que está recompondo despesas que eram necessárias, como o aumento do salário mínimo, a nova tabela de Imposto de Renda, o aumento do valor das bolsas da Capes. Há uma lista grande de bondades já feitas.

No debate interno, a equipe econômica comparou o que poderia ser feito com esse valor de quase R$ 30 bilhões que seria perdido caso não se fizesse a reoneração. Dava para construir 30 hospitais com mais de 500 leitos, ou metrôs em quatro regiões metropolitanas, ou pegar o recurso do Fundeb e colocar 18 milhões de crianças na escola.

Não há almoço de graça. Toda conta tem seu pagador. Se fosse mantida a desoneração, todos os contribuintes estariam pagando, mesmo aqueles que não têm carro. O outro erro seria fazer de forma escamoteada, como foi feito no governo Dilma, que abriu um rombo no caixa da Petrobras. A solução técnica mais correta é o consumidor de combustível fóssil pagar o imposto. Subsídio pode existir, mas tem que ser focado em quem precisa, como o consumo de GLP de baixa renda ou para taxistas.

O problema é todo o processo dessa decisão. Foi muito atormentado. Postagens de lideranças do PT, quando o ministro da Fazenda estava ainda na Índia, reuniões consecutivas de ministro, presidente da Petrobras, e por fim a receita foi recomposta, mas com a criação de um novo imposto, ainda que temporário. Isso tudo deu o sinal de que o processo decisório dentro do governo Lula na área econômica é muito complexo, mesmo que o ministro tenha conseguido a recomposição da receita.

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