O Globo, n. 32731, 19/03/2023. Economia, p. 14

Tempestades no horizonte

Míriam Leitão


Há crises se formando aqui e no exterior, complicando a vida do governo Lula, que tem que entregar resultados a curto prazo. O Congresso parado é o primeiro desafio do presidente em seu objetivo de reorganizar a administração e aprovar os projetos que marquem a mudança. As MPs enviadas não andaram um milímetro. A queda de braços entre Arthur Lira e Rodrigo Pacheco pode fazer com que elas caduquem. Há outros tremores. Ainda não se sabe a evolução da crise bancária que começou localizada, mas ainda não parou. Os economistas dizem que os recentes abalos não são nada comparáveis à crise de 2008, mesmo assim os bancos perderam globalmente US$ 500 bilhões em valor de mercado em uma semana, segundo cálculos do Financial Times. As ações de resgate estão ficando cada vez mais amplas.

O presidente da Câmara dos Deputados pede que seus interlocutores façam uma conta simples. São 29 medidas provisórias aguardando apreciação, muitas do governo passado e do atual. Se para cada comissão mista são indicados 12 senadores, seriam necessários quantos senadores? Seriam 348. Claro que o mesmo senador pode ser nomeado para várias comissões mistas, mas teria que correr de uma para a outra.

Lira está, como se sabe, em guerra contra as comissões mistas que, na visão dele, sub-representam a Câmara e dão mais peso ao Senado. São 12 deputados e 12 senadores. Por isso, ele diz que elas são antidemocráticas. O problema para Lira é que as comissões mistas estão previstas na Constituição. Portanto, a volta ao rito de antes da pandemia seria retomar a tramitação estabelecida na lei maior. É mais fácil ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, defender seu ponto de vista. Os dois, como Lira me disse, estão se falando pouco. Essa falta de diálogo se agrava com a judicialização do assunto, através da apelação do senador Alessandro Vieira ao STF.

O maior prejudicado com a guerra de poder entre as duas casas do Congresso é o Executivo que precisa gerir o país depois de um governo desastroso. Da área econômica há no Congresso, entre outras, uma MP difícil sobre voto de qualidade no Carf, contra a qual grandes contribuintes têm investido pesado. Tem outra devolvendo o Coaf ao Ministério da Fazenda e a que repõe os impostos sobre a gasolina.

Externamente, o tempo está fechando. Um ambiente em que bancos quebram e precisam ser resgatados não é favorável a nenhum governo, principalmente a um que começou cercado de expectativas e desafios. E tem a extrema direita à espreita. Um banco de nicho e regional na Califórnia não é nada, disseram os analistas, quando fecharam o SVB. Aí veio a quebra do Signature. Também pequeno, disseram. O Crédit Suisse, com seus 167 anos e várias encrencas, reportou dificuldades contábeis e recebeu um empréstimo bilionário do banco central suíço. Mas a sangria continuou. O First Republic foi socorrido com US$ 30 bilhões oferecidos por bancos de Wall Street, depois de uma negociação que envolveu a secretária do Tesouro, Janet Yellen, e o presidente do FED, Jerome Powell. Mas suas ações continuaram em queda. O índice americano de bancos caiu 16%, o da Europa, 15%, e o do Japão, 9%. “Esforços para estabilizar o sistema financeiro e afastar um pânico mais amplo foram apenas parcialmente bem sucedidos”, avaliou sexta-feira uma reportagem do Financial Times. Fundos de pensão que têm recursos no Crédit Suisse pedem soluções mais rápidas.

Se nada mais acontecer, a crise for contida e os problemas isolados, ainda assim o ambiente econômico estará mais hostil. Errar ficou mais caro. Com o Congresso parado e sombras se formando no horizonte internacional, o ministro Fernando Haddad viverá, nos próximos dias, o teste de fogo de sua gestão com a divulgação do arcabouço fiscal.

A semana em que o país deverá conhecer a proposta do arcabouço, começará com um seminário internacional no BNDES, realizado em parceria com o Cebri e Fiesp, sobre “uma estratégia de desenvolvimento sustentável para o século XXI”. Lá estarão estrelas da economia mundial como o Nobel Joseph Stiglitz, James Galbraith, moderados por André Lara Resende.