O Estado de S. Paulo, n. 46720, 16/09/2021. Política, p. A4

Juristas apontam à CPI provas para impeachment

Julia Affonso
Pepita Ortega
Fausto Macedo


No mais contundente documento analisado até agora pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid no Senado, um grupo de juristas coordenado pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior concluiu que o presidente Jair Bolsonaro cometeu ao menos sete crimes durante a pandemia. O grupo majoritário da CPI afirma que os especialistas apontaram “provas contundentes e materiais” para a abertura de um processo de impedimento na Câmara.

O parecer, que foi encomendado pela comissão e será usado como base para o relatório final, lista práticas que atentam contra a saúde pública, a administração pública, a paz pública e a humanidade, além de infração de medidas sanitárias preventivas, charlatanismo, incitação ao crime e prevaricação.

Além desse grupo, o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), pretende ouvir outros juristas indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em duas rodadas de discussão, antes de fechar seu parecer final, previsto para a semana que vem. O senador vai avaliar quais outros crimes podem ser imputados ao presidente. O documento deve ser remetido também à Procuradoria-geral da República, a quem caberá analisar se propõe a abertura de uma ação penal contra o presidente.

“Há material farto não só contra Bolsonaro, mas contra todos esses negacionistas que ajudaram o País a chegar na situação atual”, afirmou o senador Omar Aziz (PSD-AM).

O parecer dos juristas Reale Jr, Sylvia H. Steiner, Helena Regina Lobo da Costa e Alexandre Wunderlich aponta os crimes com base nas provas colhidas pela comissão e descrevem as datas em que eles teriam ocorrido. São gravações, e-mails, conversas de Whatsapp, vídeos, depoimentos na CPI, além de entrevistas e “lives” do presidente durante a pandemia.

Ao apontar que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade, os juristas afirmaram que o presidente atentou “contra o exercício de direito individual e social, no caso, o direito à vida e à saúde” ao não tomar medidas necessárias para evitar a propagação do vírus. O grupo registrou como provas as aglomerações promovidas pelo presidente, o fato de ele não usar máscara, incitar a invasão de hospitais, “pondo em risco doentes, médicos, enfermeiros e os próprios invasores”.

Segundo os juristas, Bolsonaro também incentivou o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a covid, como a cloroquina e a ivermectina, recusou e criticou o isolamento social e editou decretos, no ano passado, aumentando o rol de atividades essenciais que poderiam funcionar, mesmo com a orientação de organismos de saúde para restringir a circulação de pessoas.

O presidente ainda sugeriu que a vacina transformaria a pessoa em “jacaré”, desencorajando a população a se imunizar; ridicularizou os doentes com dificuldade de respiração e agiu com descaso diante da crise de oxigênio em Manaus. “O presidente da República também deixou de cumprir com o dever que lhe incumbia, de assumir a coordenação do combate à pandemia”, afirma o grupo.

Ao citar que Bolsonaro postergou a compra de vacinas, os juristas destacaram as evidências colhidas pela CPI de que o governo ignorou ao menos dez ofertas da Pfizer.

Segundo o grupo, o presidente também cometeu os crimes de epidemia “com a pena aumentada em razão dos resultados morte”, de infração de medida sanitária e de charlatanismo. O parecer citou cálculos de especialistas de que “aproximadamente 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas e, dentre essas, 145 mil decorreram diretamente da demora na aquisição da vacina”. Até ontem, o País havia registrado 587.847 mil vidas perdidas pela doença.

Para o senador governista Marcos Rogério (DEM-RO), desde o início ficou claro que o foco da CPI seria Bolsonaro. “Não importa se tem prova ou não tem prova. A questão é desgastar o presidente.” Procurado, o Palácio do Planalto não comentou.