O Globo, n. 32738, 26/03/2023. Política, p. 7
Planalto calcula o custo de indicar Zanin à Corte
Jeniffer Gularte
Sérgio Roxo
Mariana Muniz
A cerca de um mês da aposentadoria do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, o Palácio do Planalto tem convicção de que o custo político da eventual indicação à Corte de Cristiano Zanin, advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, será maior do que a do outro principal candidato à vaga, o jurista Manoel Carlos de Almeida Neto, que já foi assessor direto do magistrado que deixará a Corte. Zanin desponta como o favorito na corrida ao posto. Caso seja o escolhido, o advogado que defendeu o petista nos processos da Operação Lava-Jato enfrentará resistências entre representantes de diferentes posições do espectro ideológico no Senado, inclusive entre petistas, por ser um personagem inquestionavelmente vinculado a Lula. Como uma derrota de Zanin representaria um revés pessoal do seu principal padrinho, ministros do Planalto admitem que será necessária uma articulação pesada para garantir maioria no Parlamento. Cabe aos senadores analisar e, na sequência, aprovar ou rejeitar indicações para o Supremo.
O governo pode enfrentar problemas já na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), primeira etapa da tramitação. Dos 27 integrantes do colegiado, 13 são de partidos que integram a base aliada, um a menos que o necessário para que o nome seja aprovado. Ainda assim, mesmo no PSD, sigla que tem três ministros na Esplanada, um dos representantes é o senador Lucas Barreto (AP), que apoiou o ex-presidente Jair Bolsonaro na eleição do ano passado.
Para conseguir emplacar Zanin, Lula precisará contar com votos do União Brasil, legenda que ainda não demonstrou a fidelidade esperada pelo petista. Dos três nomes do partido na CCJ, contudo, o governo tem como certo apenas um voto a favor, de Davi Alcolumbre (AP). Ainda fazem parte do grupo os senadores Márcio Bittar (AC), aliado de Bolsonaro, e o ex-juiz da Operação Lava-Jato Sergio Moro (PR), de oposição e antagonista de Zanin em audiências e embates processuais. A composição do plenário, que dá a palavra final no processo, é mais favorável ao governo. Somados, os partidos da base reúnem 42 senadores, um a mais do que o mínimo necessário para a indicação ser aprovada. Para além dos tamanhos das bancadas, porém, a tropa do governo no Congresso ainda não foi submetida a testes de fidelidade importantes. Os trabalhos legislativos não engrenaram, o que torna as chances de sucesso de Lula na empreitada ainda mais incerta.
A rejeição do Senado a indicados ao Supremo, entretanto, é algo raríssimo. A última ocorreu em 1894, quando Floriano Peixoto estava na Presidência da República. Apesar da previsibilidade indicada pela História, alguns ministros do STF por pouco não foram barrados. No mais emblemático dos casos recentes, André Mendonça só foi sabatinado na CCJ mais de cem dias depois de ter sido indicado por Bolsonaro, que foi fortemente pressionado a recuar da escolha. Na previsão do Planalto, as negociações pela eventual necessidade de aprovação de Zanin no Senado passarão pela distribuição de cargos da máquina federal em troca de apoio dos parlamentares.
Um líder governista resume que a eventual chancela ao favorito “não será feita por osmose”, ao confirmar que os senadores vão fazer exigências para viabilizar a chegada do advogado de Lula ao Supremo. Os aliados dão como certo que será grande a pressão para que o governo entregue, por exemplo, os comandos das 14 superintendências regionais da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Até agora, nem mesmo algumas cadeiras de diretoria da estatal, cobiçadas por aliados, foram ocupadas. No cenário traçado pelo governo, também deverão entrar na lista tentativas de indicações para as vice-presidências do Banco do Brasil e da Caixa.
Desde que tomou posse, o governo trabalha com a estratégia de negociar espaços a conta-gotas, sem entregar todos os pedidos por uma única demanda. Com isso, busca ter sempre o que barganhar nas votações do Congresso. Enquanto não bate o martelo, Lula emite sinais de preferência por Zanin. Recentemente, em uma entrevista, o presidente o chamou o seu advogado de “amigo”. Disse que, se o indicasse, “todo mundo compreenderia. Na terça-feira, Lula voltou à carga, ao classificá-lo como uma “revelação extraordinária” do meio jurídico. Praticamente todos os quadros do PT reconhecem que o advogado foi o protagonista nas batalhas jurídicas que tiraram Lula da cadeia e o tornaram elegível novamente. Ainda assim, Zanin não é unanimidade entre os petistas. Integrantes da sigla dizem não saber o que esperar dele no Supremo. Na condição de anonimato, argumentam que o advogado é fiel e próximo apenas a Lula, não ao partido.
Se Lula escolher Zanin, a bancada petista no Congresso trabalhará em peso por ele. Até lá, porém, alguns deverão atuar em sentido oposto. Há no PT quem lembre o caso do atual ministro do STF Dias Toffoli. Advogado-geral da União no segundo mandato de Lula, ele foi indicado à Corte pelo petista, que se sentiu traído com o desempenho do magistrado durante a Lava-Jato.
Fator Lewandowski
A desconfiança de petistas e outros aliados de Lula com Zanin favorece o principal concorrente do advogado: Manoel Carlos de Almeida Neto. Ele é o candidato de Lewandowski e foi secretário-geral do STF durante a gestão do ministro na presidência da Corte. Sem vínculos diretos com Lula, o custo político de sua indicação seria menor para o Planalto, de acordo com os cálculos de ministros do governo. Além disso, parte dos personagens que se mostram reticentes com Zanin lembram nos bastidores que Manoel de Almeida Neto tem mais laços no Senado e chegaria ao Supremo com as bênçãos de Lewandowski.
O ministro que está em vias de se aposentar é tido por nomes importantes do PT como juiz que sempre agiu com correção nos processos de interesse do partido e que já deu provas de lealdade. Como presidente do processo de impeachment de Dilma Rousseff, por exemplo, permitiu que ela conservasse os direitos políticos mesmo depois de afastada, o que foi visto pela oposição como uma manobra em favor da petista.