O Globo, n. 32686, 02/02/2023. Política, p. 4

Impulsionado pelo Planalto

Lauriberto Pompeu
Jeniffer Gularte
Jussara Soares
Geralda Doca
Mariana Muniz


No primeiro teste do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSDMG), foi reeleito ontem por 49 votos contra 32 do senador Rogério Marinho (PL-RN), num resultado que foi além da vitória de um aliado do Palácio do Planalto, mas significou também uma nova derrota do bolsonarismo. A candidatura de Marinho, ex-ministro de Jair Bolsonaro, fazia parte de um projeto do exchefe do Executivo para manter seu grupo político no poder, tendo em vista a disputa presidencial de 2026.

Após a disputa se transformar numa espécie de “terceiro turno” das eleições presidenciais, Lula descumpriu sua promessa de não interferir na escolha do Legislativo e apostou todas as fichas para manter Pacheco no cargo por mais dois anos. Como revelou O GLOBO, a estratégia envolveu acelerar as negociações por cargos no segundo e terceiro escalões do governo, reservados para atrair novos aliados à sua base. As conversas para liberação de espaços se intensificaram depois que parlamentares de legendas que compõem o governo, sobretudo União Brasil e PSD, anunciaram apoio ao candidato bolsonarista. Além disso, ministros retornaram aos mandatos para a votação.

Mas não foi só o Planalto. Na esteira dos ataques golpistas de 8 janeiro, quando apoiadores radicais de Bolsonaro invadiram as sedes dos três Poderes, a campanha por Pacheco ganhou o tom de defesa da democracia, que envolveu até mesmo ministros do Supremo Tribunal Federal. Segundo relatos feitos ao GLOBO, ao menos três magistrados da Corte fizeram chegar a senadores a preferência pela reeleição do atual presidente.

Uma vez sacramentada a vitória, Pacheco adotou um discurso de combate ao golpismo e à “polarização tóxica” que tomou conta das discussões políticas do país. Num tom de conciliação, admitiu, contudo, que até medidas caras ao bolsonarismo, como a proposta de impor mandatos a ministros do Supremo, podem ser discutidas de forma “sadia” e “sem revanchismos”.

— Pauta-bomba, perseguição, exigências e chantagens não aconteceram na minha presidência. O que houve foi uma relação cooperativa com outros Poderes e instituições — pontuou o presidente do Senado, que recebeu os parabéns de Lula, por telefone, após o resultado.

Ao parabenizar Pacheco pela vitória, o ministro do STF Alexandre de Moraes, lembrou as posições do presidente do Senado o em defesa da democracia.

— (Pacheco) sempre defendeu a democracia, sempre defendeu a lisura, a transparência, a competência do trabalho de todos os magistrados eleitorais e das urnas eletrônicas e atuou na defesa da democracia — afirmou Moraes ao presidir a primeira sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no ano.

Apesar da vitória de Pacheco, a avaliação entre parlamentares é que a votação de Marinho demonstrou que o bolsonarismo ainda tem força. Os 32 votos obtidos pelo senador do PL extrapolaram o número de integrantes de partidos que faziam parte da sua aliança — 23, contando as bancadas do PP e do Republicanos. Ao mesmo tempo, os 49 votos que garantiram a reeleição do atual presidente do Senado representam oito a menos do que ele obteve há quatro anos. 

Antes da eleição, bolsonaristas fizeram uma campanha nas redes sociais para que senadores revelassem publicamente seus votos, o que levou parlamentares de centro-direita, mais associados às pautas bolsonaristas, a declarar voto em Marinho. Numa ofensiva nos últimos dias, o próprio Bolsonaro se envolveu nas costuras políticas para eleger o ex-ministro e ligou para senadores pedindo votos.

Com o ex-presidente fora do país e sem previsão de quando voltará, coube à exprimeira-dama Michelle Bolsonaro se engajar na campanha. Ontem, foi pessoalmente ao plenário da Casa.

Após o resultado, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente, ressaltou que a vitória ocorreu por margem estreita de votos.

— Vamos trabalhar firme pelas pautas que levaram o Brasil a evoluir tanto nos últimos quatro anos — disse, em referência ao período de Bolsonaro na Presidência.

‘Passou no teste’

Na avaliação de integrantes do governo, porém, a base aliada “passou no teste” com a eleição de Pacheco, mas a disputa não serviu como um termômetro fiel de quantos votos o Palácio do Planalto poderá contar no Senado. Para o ministro Flávio Dino (Justiça), que foi exonerado para assumir o mandato e participar da eleição, os partidos do Centrão —PP, PL e Republicanos — não aderiram por completo à candidatura de Marinho pela característica do grupo, em sua maior parte distante do bolsonarismo ideológico. Ele evitou, contudo, citar quais integrantes desses partidos deu voto a Pacheco.

O presidente do Senado começou a carreira política ao ser eleito deputado em 2014 pelo MDB. De um grupo adversário do PT em Minas Gerais, ele votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Em 2016, foi presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Ele se filiou ao DEM em 2018 e conseguiu ser eleito senador em uma chapa adversária à de Dilma, que não foi eleita.

No Senado, começou uma aproximação com os partidos de esquerda. No final de 2020, herdou um acordo construído pelo então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que agora sai fortalecido para tentar voltar ao cargo em 2025.