O Estado de S. Paulo, n. 46733, 29/09/2021. Economia , p. B12

Diversidade no trabalho impulsiona as PMES

Anna Barbosa


O aumento da demanda por diversidade e inclusão no mercado de trabalho fez com que pequenos negócios que fornecem serviços a grandes empresas observassem um boom no número de clientes e no faturamento. São negócios que criam programas de diversidade para grandes corporações, ou em conjunto com elas, e fazem seleção de candidatos para promover inclusão de grupos minoritários. Esse nicho estourou no ano passado e puxou consultorias como CKZ Diversidade, Tree e Transcendemos.

Na Transcendemos, fundada em 2017, o crescimento do último ano foi de 10 a 12 vezes em relação ao ano anterior, conta a fundadora do negócio, Gabriela Augusto. Segundo ela, a empresa chega a receber 100 pedidos por mês de companhias que buscam diferentes tipos de serviços e soluções.

"Foi um crescimento bem importante. De um lado, tivemos um aumento da credibilidade enquanto empresa. Eu recebi prêmios no Linkedin, reconhecimentos, aumentamos nosso alcance nos canais de divulgação. Para além do nosso mérito, também existe a mudança no contexto, de as empresas estarem não só mais preocupadas, mas verem o senso de urgência (na inclusão)", diz Gabriela.

Antes da pandemia, a equipe da Transcendemos contava com quatro pessoas. Hoje, são 14 trabalhando remotamente de diferentes cidades.

No caso da Tree Diversidade, Letícia Rodrigues relata que, em comparação a 2019, o faturamento triplicou no ano passado. A carteira também triplicou, passando a ter 50 clientes. Por isso, a equipe de atendimento, entre consultores fixos, rotativos, temáticos e equipe de apoio, também cresceu pouco mais de três vezes no período.

Recentemente, a Tree lançou um produto chamado "Combo da Diversidade", que oferece seis palestras, um kit com imagens e pílulas de conteúdo, para atender às corporações.

"Pensando na pessoa que trabalha com D&I (diversidade e inclusão) na empresa, com o combo ela acaba perdendo menos tempo mapeando datas importantes (que estão no calendário do combo), produzindo conteúdos e fazendo curadoria de palestrantes sobre o tema. A pessoa começa o ano com tudo mapeado. E aí ela pode dar um passo além: pensar na estratégia", diz Letícia, que fundou a empresa em 2017.

Uma das pioneiras no mercado, desde 2008, a CKZ Diversidade diz ter crescido em torno de 40% no último ano, com demanda que levou a consultoria a ampliar a equipe. "A gente nunca fez tanta proposta na nossa vida. Por semana, são três, quatro propostas, às vezes até cinco. Eu falei que minha comercial está enlouquecida, de tanta proposta que está fazendo", conta a CEO Cristina Kerr, que antes tinha cinco consultoras na equipe e agora contratou mais três, além de duas executivas de conta.

Kerr conta que, quando começou a empresa, o cenário era muito desafiador. "A gente não tinha pesquisa que comprovasse que diversidade e inclusão traria resultado financeiro. A gente trabalhava a responsabilidade social. A primeira coisa que fiz foi o Fórum Mulheres em Destaque, para ter mais mulheres em cargos de liderança. Eu tive uma baita dificuldade, foi o primeiro fórum sobre o tema, em 2011. Nem minhas amigas do mercado corporativo queriam falar no evento."

Para Gabriela Augusto, ainda que atuando há menos tempo no setor, as mudanças nos últimos anos são significativas. "Não imaginei que isso ia mudar tão rápido. Quatro anos não é tanto tempo assim. Naquela época (em 2017), quando eu procurava as organizações para conversar sobre D&I, as pessoas me falavam: 'Por que eu devo falar de igualdade de gênero na minha empresa?'."

ESG e George Floyd. As especialistas enumeram acontecimentos que trouxeram senso de urgência sobre a pauta da inclusão para as empresas e que fizeram crescer seus negócios. Exemplos são os casos de George Floyd, homem negro assassinado por um policial branco nos Estados Unidos, e o de João Alberto Silveira, homem negro morto por um segurança numa loja Carrefour em Porto Alegre.

"A sociedade começou a falar mais sobre o tema, como o (movimento) 'Black Lives Matter', que acelerou o debate étnico-racial. A pandemia também escancarou as diferenças, as desigualdades", pontua Letícia.

Além disso, as especialistas apontam que a agenda ESG também foi um impulsionador. "Agora, para todo lugar que você olha, estão falando de ESG, e isso se relaciona intimamente com as pautas de diversidade e inclusão. Isso tem tornado a pauta ainda mais estratégica. Tem empresas, como a Suzano, emitindo títulos de crédito lastreados em metas ESG, de diversidade de gênero", diz Gabriela.

Para Cristina Kerr, as empresas que não estiverem preparadas para lidar com a pauta ESG ficarão para trás. "Muitas olhavam só o E, do ambiental, e esqueciam do social. Não são só as novas gerações que estão cobrando, mas os clientes também."

Gabriela acrescenta a pandemia como motivo de mudança importante para as consultorias. "Isso fez com que a gente fosse para o digital. Antes, a gente tinha de ir até a empresa fazer um evento, ficar o dia inteiro. Era menos escalável. No digital, a gente consegue fazer seis palestras por dia. Outro ponto é que o home office fez com que a equipe estivesse em Salvador, em São Paulo. A gente não tem mais condições de ter um escritório, é irreversível."

Outros tempos

"De um lado, tivemos um aumento da credibilidade enquanto empresa. Para além do nosso mérito, também existe a mudança de as empresas verem o senso de urgência (na inclusão)."

Gabriela Augusto

Fundadora da Transcendemos