Valor Econômico, v. 20, n. 4872, 02/11/2019. Política, p. A9

Câmara quer ter mais controle sobre privatizações

Marcelo Ribeiro


A Câmara dos Deputados iniciou a elaboração de um projeto que cria um conselho responsável pelo estabelecimento de novas regras para a compra de participações em estatais brasileiras por empresas estrangeiras.

As articulações, embora ainda incipientes, contam com a atuação do líder da maioria, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e podem colocar a Câmara no centro do debate quando o programa de privatizações do governo federal começar a ganhar corpo. Sua votação deve ocorrer em plenário no ano que vem.

Fontes que acompanham a proposta afirmaram que seu objetivo é dar mais segurança jurídica e ampliar os investimentos estrangeiros no país. Na prática, porém, o novo órgão acabaria dando mais poderes ao Congresso. A referência usada para a criação do conselho é o Comitê de Investimentos Estrangeiros nos Estados Unidos. Parlamentares e técnicos da Câmara já fizeram consultas à embaixada americana no Brasil para entender o funcionamento do órgão.

Criado em 1975, o comitê analisa eventuais riscos que investimentos estrangeiros em empresas do país podem trazer para a segurança nacional dos Estados Unidos. Ele é composto por representantes de diversos órgãos, incluindo os departamentos de Defesa, Comércio e Segurança Interna. Em 1988, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma emenda dando autorização ao presidente para cancelar as aquisições consideradas danosas.

No Brasil, esse novo conselho também ficaria responsável por elaborar um parecer prévio sobre possíveis adequações que as companhias internacionais teriam que fazer para estarem aptas à transação. Cumprida essa primeira fase, as empresas receberiam então o sinal verde para investir nas estatais brasileiras.

De acordo com as discussões em andamento, a ideia é que o órgão tenha caráter regulatório e fiscalizador. O projeto preverá que, se essas adequações não forem cumpridas depois de um prazo, o Congresso terá autonomia para desfazer os negócios. O prazo ainda não foi definido.

Esse seria um dos diferenciais em relação ao conselho existente nos Estados Unidos, já que atribuiria um poder ao Parlamento sobre as transações e garantiria mais peso ao Poder Legislativo nas discussões sobre as privatizações.

Com a expectativa de que o governo envie um novo pacote de propostas econômicas na próxima semana, a avaliação é que o texto só ganhe espaço na agenda do Congresso em 2020. Técnicos da Câmara avaliam que o texto tem apelo positivo e deve receber apoio dos parlamentares do Centrão, grupo que também é entusiasta do pacote de reformas enviado pela equipe econômica.

Considerado um dos principais responsáveis pela aprovação da reforma da Previdência no primeiro ano de gestão do presidente Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deve trabalhar pelo andamento da proposta. Ao Valor, ele não deu detalhes sobre como o texto do conselho tramitará na Casa. Procurado, o Ministério da Economia informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não comentaria o assunto.

Estados Unidos

A Embaixada dos Estados Unidos no Brasil confirmou que um grupo de especialistas dos Departamentos do Tesouro, Defesa e Estado do país, entre eles, o Departamento Federal de Investigação (FBI, na sigla em inglês), reuniu-se com representantes do governo brasileiro para falar sobre o Comitê de Investimento Estrangeiro nos Estados Unidos (CFIUS, na sigla em inglês), responsável pelo programa de análise de investimentos no país. Os encontros ocorreram nos dias 9 e 10 de outubro.

“Um mecanismo como o CFIUS é comum na maioria das economias avançadas e pode permitir que um governo aborde os riscos da segurança nacional que surgem a partir de específicos investimentos estrangeiros, mantendo um clima de investimento aberto. Isto está demonstrado em parte pelo fato de que os EUA continuam sendo o destino número um de investimentos estrangeiros”, informou a embaixada norte-americana, em nota enviada ao Valor. “Como parceiro próximo do Brasil, os Estados Unidos saúdam os esforços brasileiros para garantir a segurança nacional do Brasil e melhorar seu clima de investimento”, acrescentou.

Na nota, a embaixada americana explicou que o comitê tem a autonomia de rever transações envolvendo investimentos estrangeiros no país, com o objetivo de determinar o efeito das transações na segurança nacional do país.