Valor Econômico, v. 20, n. 4873, 05/11/2019. Brasil, p. A5

Desindexação da despesa fica para depois

Ribamar Oliveira



O ministro da Economia, Paulo Guedes, teve que desistir, pelo menos temporariamente, de um dos 3 “D” de sua estratégia econômica. O presidente Jair Bolsonaro não aceitou incluir na PEC emergencial, que deve ser divulgada hoje, a desindexação das despesas da União, ou seja, deixar de conceder automaticamente os reajustes dos benefícios sociais vinculados à inflação e ao salário mínimo, que era uma das medidas defendidas por Guedes e sua equipe.

Por considerar que já tinha exigido um enorme sacrifício à população, com a reforma da Previdência Social, que tornou mais duras as regras para a aposentadoria e pensão, Bolsonaro sugeriu moderação a Guedes, na elaboração das demais reformas, consideradas essenciais para a retomada sustentável do crescimento. O ministro da Economia queria muito mais do que Bolsonaro aceitou conceder, segundo fontes que dialogaram com integrantes da equipe econômica nas últimas semanas.

“O presidente acha que as pessoas não vão entender que, depois da aprovação da reforma da Previdência, o governo exija uma cota adicional de sacrifício”, disse ao Valor um interlocutor da equipe. “Bolsonaro considera que a dose é exagerada para um único mandato presidencial.”

A elaboração das propostas de emenda à Constituição que devem ser apresentadas hoje foi um “jogo de avanços e recuos” quase interminável, com o ministro da Economia se acomodando aos limites definidos pelo presidente.

O diagnóstico de Guedes e de sua equipe é que a despesa pública obrigatória no Brasil aumenta de forma autônoma, por causa da indexação a que está atualmente submetida e do crescimento vegetativo, representado pela elevação do número de pessoas que fazem jus a algum benefício.

Em setembro deste ano, a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia divulgou um estudo mostrando que somente a indexação é responsável por 40% do aumento do gasto primário programado para 2020 - algo em torno de R$ 35 bilhões.

A equipe econômica propôs um debate, no âmbito de uma comissão informal da Câmara dos Deputados que discutia a proposta de emenda constitucional (PEC) 438/2018, de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), em torno da não concessão de reajuste anual do salário mínimo e dos benefícios previdenciários e assistenciais. Seria uma forma de evitar que a despesa crescesse autonomamente.

O fim da indexação das despesas públicas é um dos três “D” da estratégia definida por Guedes, que prevê ainda desvinculação das receitas e desobrigação do gasto. A ideia inicial era que a não correção do salário mínimo e dos benefícios previdenciários e assistenciais valeria por apenas dois anos.

O presidente Bolsonaro não aceitou a ideia. O secretário-adjunto da Secretaria de Fazenda, Esteves Colnago, chegou a informar que estava descartada a não correção do salário mínimo e dos benefícios assistenciais. Guedes insistia, no entanto, de acordo com as mesmas fontes, em não reajustar os benefícios previdenciários acima de um salário mínimo. Chegou-se a negociar, no âmbito da comissão, que somente não seriam reajustados os benefícios acima de dois salários mínimos. Mas nem mesmo isso Bolsonaro aceitou, de acordo com as fontes.

Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, publicada no domingo, Guedes disse: “me avisaram que não tem como desindexar tudo” e admitiu que manterá a vinculação das despesas da União com saúde e educação, corrigidas atualmente pela inflação.