O Globo, n. 32656, 03/01/2023. Opinião, p. 2

‘Revogaço’ busca corrigir erros do governo anterior



Foi positiva a maior parte dos decretos, medidas provisórias e despachos assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva horas depois de tomar posse no domingo. Chamadas de “revogaço”, as medidas buscaram desfazer parte das políticas equivocadas adotadas pela administração anterior em temas como meio ambiente, armas e transparência.

Publicado ontem no Diário Oficial, um decreto restabeleceu o funcionamento do Fundo Amazônia, voltado para a preservação da floresta com a ajuda de doações de países europeus. Já era hora. No primeiro ano de seu governo, Jair Bolsonaro havia promovido a extinção dos comitês responsáveis por gerir os recursos do fundo. Com isso, R$ 3,2 bilhões ficaram sem destinação, um tremendo contrassenso.

Ainda na área ambiental, Lula acertou ao recriar o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, instituir uma comissão interministerial para cuidar do assunto e endurecer os processos de apuração de infrações em diferentes biomas.

É certo que o trabalho de reverter os erros dos últimos quatro anos exigirá uma dedicação longa e metódica, mas é alvissareiro o fato de que, já no primeiro dia, foram tomadas decisões que dependiam de um canetaço. Isso ficou claro no decreto que buscou combater a venda indiscriminada de armamentos, uma das bandeiras do bolsonarismo.

Veio em boa hora a suspensão de registros para a aquisição e transferência de armas e munições de uso restrito por caçadores, colecionadores, atiradores e particulares. Desde 2019, não foram poucas as vezes em que esse tipo de armamento acabou caindo na mão de criminosos. O novo governo também reduziu a quantidade de armas e munições de uso permitido que pode ser adquirida, suspendeu novas concessões para clubes de tiro até que seja criado novo regulamento e proibiu o transporte de armas carregadas com munição.

Cumprindo promessa de campanha, Lula determinou que a Controladoria-Geral da União (CGU) avalie sigilos impostos pelo governo Bolsonaro. O órgão terá 30 dias para dar uma resposta. É pouco provável que não haja revisão.

Entre os documentos já assinados por Lula, pelo menos um desperta preocupação. Mesmo diante de críticas do Ministério da Fazenda, uma medida provisória manteve a isenção de impostos federais sobre combustíveis. A desoneração de gasolina e etanol durará 60 dias, e a do diesel um ano. O custo é estimado em mais de R$ 50 bilhões.

O novo governo tentou explicar a decisão dizendo ser contra um “tarifaço”, com efeitos negativos na inflação. Embora real, esse temor não serve de justificativa. As tentativas de controlar preços têm um longo histórico de fracassos. O que era uma medida eleitoreira e populista em 2022 continua sendo a mesma coisa em 2023.

Deliberações tomadas com os olhos na popularidade do presidente tornarão mais difícil o trabalho de Fernando Haddad, o ministro da Fazenda. Em concorrida cerimônia de posse ontem, Haddad disse que sua meta é fazer o país crescer para melhorar a vida da população e garantir equilíbrio e sustentabilidade fiscal.