Título: Ainda uma vez adeus
Autor: José Sarney*
Fonte: Jornal do Brasil, 23/09/2005, Opinião, p. A11

Gonçalves Dias - o notável poeta brasileiro - escreveu, com o título acima, uma das páginas líricas mais belas da nossa literatura, para chorar a despedida do seu amor fracassado com a musa Ana Amélia. Mas isso nada tem a ver com o nosso tema de hoje, a não ser a maneira de manejar com o tempo.

A política lida com este com uma incompetência máxima. Não consegue administrá-lo, utilizando-o de uma maneira caótica e anárquica. Peguemos o exemplo do prazo no parlamento. Ele não é o tempo disponível para determinada tarefa, mas a data final em que tudo tem de ser feito às pressas, com todos os riscos da imperfeição, do desleixo, dos erros.

Como exemplo, e este a regra e não a exceção, passou o tempo necessário para fazer-se a reforma eleitoral e não se fez. O dia 30 de setembro é a data limite, prevista na Constituição, de um ano antes da eleição para alterar as regras eleitorais. Há um mês, o senador Bornhausen, já no desespero de que nada seria mudado, fez um projeto de lei, com modificações pontuais, que deveriam ser adotadas para as eleições de 2006, de modo a evitar-se os horrores do presente. Os políticos, desnorteados, para não ficarem de braços cruzados, se reuniram no Senado e por unanimidade aprovaram o projeto que iria baixar o custo e limpar as eleições, hoje transformadas num espetáculo de luz e cores, shows e circos, com toda a parafernália para mudar candidatos em sabonete, e não no gesto democrático da escolha dos dirigentes do país. O debate de programas, a reflexão sobre o destino do país e os valores morais da vida pública cedem lugar às cenas grotescas de um mundo cão, em que insultos e maquiagens substituem o sério pelo banal.

Pois este projeto, um pequeno arremedo de emergência, destinado a ser apenas um remendo, já que não tínhamos tempo de mudanças mais profundas, chegou à Câmara e ali não teve tramitação. O tempo passou, o mês de setembro está acabando e vamos ficar do mesmo jeito e com as mesmas mazelas que atualmente caracterizam o sistema eleitoral.

Estou perplexo com o esquecimento nacional da causa de tudo o que estamos vivendo. Estamos ignorando ou absolvendo com o perdão eterno de todos os pecados o sistema político eleitoral que criou os autores de tantas mazelas que explodiram no Caixa 2, no mensalão, no mensalinho e na promiscuidade entre o público e o privado.

Não é possível que não haja uma reação, que fiquemos impassíveis, só na retórica de punir culpados e apurar denúncias, sem atacar as origens. O maior culpado está escapando incólume aos olhos de todas as CPIs e dos meios de comunicação. Há um soneto célebre, atribuído a frei Antonio das Chagas, pelos seiscentos, que diz o quanto nós todos esquecemos o que fazer com o nosso tempo. Eu o tenho emoldurado na parede do meu escritório: ''Não quis, tendo tempo, fazer conta / Hoje quero fazer conta e não há tempo''. E conclui: ''Cuidai enquanto é tempo em fazer conta''.

Nós perdemos o timing e o prazo de fazer o que de melhor podíamos aproveitar da crise e não fizemos. Então, vamos marchar para as novas eleições com a infidelidade partidária e os partidos ''barriga de aluguel''.

*O senador José Sarney (PMDB-AP) escreve às sextas-feiras no JB