O Globo, n. 32629, 07/12/2022. Economia, p. 15

UE avança no veto a pro­du­tos de regi­ões des­ma­ta­das



Os membros da União Europeia (UE) chegaram a um acordo, na madrugada de ontem, para proibir a importação de uma série de produtos oriundos de áreas desmatadas, o que pode ser um golpe para as exportações do agronegócio brasileiro. A lista inclui soja, carne bovina, cacau, café, óleo de palma e alguns derivados, como couro, chocolate, móveis, papel e carvão vegetal.

Será barrada a importação dos produtos da lista sejam oriundos de áreas desmatadas após dezembro de 2020.

As empresas que quiserem colocar seus produtos no mercado europeu terão de garantir a rastreabilidade de sua cadeia, comprovando que a safra ou a produção agropecuária ocorreram em áreas não desmatadas, a partir de dados como geolocalização ou fotos de satélite.

O texto final foi elaborado após longas negociações entre o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia (braço executivo da UE) o Conselho Europeu (que representa os 27 países-membros do bloco). Os próximos passos agora serão a aprovação formal do acordo pelo Parlamento e pelos países da UE, o que deverá ocorrer até o início de 2023, segundo o jornal francês Le Monde.

A nova lei entrará em vigor 20 dias após sua publicação, mas as empresas terão um prazo máximo de até 18 meses para se adaptarem.

Povos originários

Os eurodeputados tentaram incluir no texto outros ecossistemas ameaçados, como os de savana — caso do Cerrado brasileiro, de onde vem parte importante das importações europeias de soja. Mas o acordo estabeleceu que só depois de dois anos haverá uma revisão para estender as regras “a outras coberturas vegetais”. Passado esse prazo, será avaliada ainda a inclusão de outros produtos, como o milho. Além disso, o setor financeiro poderá ser instado a parar de financiar importações de áreas desmatadas.

Segundo dados da ONG Global Witness, os bancos sediados na UE concederam, entre 2016 e 2020, cerca de € 30 milhões em financiamento a 20 gigantes da agroindústria responsáveis por desmatamento.

O texto também demanda o respeito aos povos originários. O eurodeputado de Luxemburgo Christophe Hansen, do Comitê de Comércio Internacional, disse ao Monde que esses povos são “os melhores aliados contra o desmatamento”.

Os membros da UE serão obrigados a realizar verificações abrangendo 9% das empresas que exportam de países com alto risco de desmatamento, 3% daqueles de risco padrão e 1% dos de baixo risco.

Os políticos europeus estão sob forte pressão da opinião pública para agir na defesa da Floresta Amazônica, sobretudo após o desmatamento na região ter saltado 60% durante o governo Jair Bolsonaro.

A UE é responsável por 16% do desmatamento global por meio de suas importações, sobretudo de soja e óleo de palma, segundo dados de 2017 compilados pela World Wide Fund for Nature (WWF). O bloco é ainda o segundo maior destruidor de florestas tropicais, diz a ONG.

Anke Schulmeister-Oldenhove, representante da WWF, afirmou que a regra “não só muda as regras do jogo para o consumo europeu, como também incita outros países a mudarem suas práticas.”

ONG lamenta por cerrado

O Observatório do Clima, rede que reúne 78 entidades da sociedade civil brasileira, comemorou o acordo e destacou que os compradores europeus de commodities poderão auditar os vendedores e rejeitar produtos oriundos de qualquer propriedade com desmatamento ou degradação, seja legal ou ilegal. Mas lamentou que o Cerrado tenha ficado de fora e alertou que o desmatamento poderá “vazar” para o Cerrado, ampliando sua destruição.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por sua vez, criticou a legislação. Para Lytha Battiston Spindolade, diretora de Desenvolvimento Industrial e Economia da CNI, o regulamento pode gerar ônus excessivo às empresas exportadoras:

— A medida, em si, tem mérito no sentido de reduzir o desmatamento. O problema maior é na forma como está sendo adotada. Seria uma medida adequada para ser discutida no âmbito multilateral ou bilateral. De fato, ela pode impor um ônus indevido e excessivo para as empresas exportadoras.

Ela avalia que a nova lei “pode representar uma espécie de barreira ao comércio”.