Valor Econômico, v. 20, n. 4883, 20/11/2019. Política, p. A7

STF deve delimitar acesso a dados do Coaf e Receita

Isadora Peron
Luísa Martins


O Supremo Tribunal Federal (STF) vai analisar hoje se é necessária ou não autorização judicial prévia para o compartilhamento de dados fiscais sigilosos com o Ministério Público (MP). A sessão está marcada para às 9h30 e deve continuar à tarde.

O plenário vai decidir se órgãos de fiscalização como a Receita Federal e a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, podem enviar informações diretamente ao MP ou se é imprescindível o aval do Judiciário.

Essa discussão teve início em julho, quando Toffoli concedeu uma liminar (decisão provisória) para suspender todas as investigações que usaram dados detalhados de órgãos de controle sem autorização judicial. A decisão atendeu a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (ex-PSL-RJ), um dos cinco filhos do presidente Jair Bolsonaro.

Flávio é alvo de um inquérito no Ministério Público do Rio e está sob suspeita de desviar parte dos salários de funcionários de seu antigo gabinete quando era deputado estadual. A apuração teve origem em um relatório do antigo Coaf, envolvendo movimentações atípicas do seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

Segundo fontes ouvidas pelo Valor, a expectativa para o julgamento é que o compartilhamento de informações de órgãos de controle não seja proibido, mas sim delimitado, estabelecendo que tipo de informação o antigo Coaf e a Receita podem repassar ao MP e a forma como esta comunicação será realizada.

Integrantes do Ministério Público avaliaram como um “sinal positivo” o fato de o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, ter recuado e desistido de ter acesso aos relatórios produzidos nos últimos três anos pelos órgãos de controle.

Anteontem, Toffoli reuniu-se com integrantes do governo e ouviu o apelo para que a decisão preserve o direito à privacidade dos cidadãos, mas sem colocar em risco os avanços conquistados no combate à corrupção.

“Nós estamos tentando buscar uma solução que atenda a todos em relação ao que vai ser votado na quarta-feira”, disse o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, também participou do encontro. Foi após essa reunião que o presidente do Supremo revogou o pedido que lhe havia dado acesso a informações de quase 600 mil pessoas físicas e jurídicas.

Ontem, ao ser questionado sobre o julgamento, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que o placar deve ser apertado. Ele também disse que o debate deve envolver não só a Receita e a UIF, mas todos os órgãos de controle, em nome da segurança jurídica - “porque senão, toda vez ter que rediscutir, seria cansativo”, observou.

O ministro, no entanto, criticou a possibilidade de modulação. “Vocês não sabem nem qual é a decisão e já querem modular os efeitos”, alfinetou, respondendo a jornalistas.

Segundo ele, não deve ser fixado um marco temporal para a aplicação da decisão do Supremo. “Se a maioria entender que é constitucional o compartilhamento, continua. Se a maioria entender que é inconstitucional o compartilhamento, se é inconstitucional, é nulo. Agora, provavelmente [o placar] será acirrado.”

Ontem, em memorial enviado a ministros do STF, Aras defendeu que a liminar de Toffoli seja revogada. Para o PGR, proibir o compartilhamento direto de informações atrapalha o combate à lavagem de dinheiro e prejudica a imagem do país em organismos internacionais como o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi). Segundo ele, os órgãos transferem ao MP informações pontuais, sem violar o sigilo fiscal dos contribuintes.

Ele também defendeu que Toffoli “ampliou” o tema da ação, que tratava da sonegação de impostos de um posto de gasolina e falava apenas do compartilhamento de dados da Receita, e não os do Coaf. Segundo dados do MPF, além da investigação sobre Flávio, a decisão do ministro paralisou outros 935 casos no país.