Título: Ética, honra e haraquiri
Autor: Marcus Quintella*
Fonte: Jornal do Brasil, 27/09/2005, Outras Oipniões, p. A11

Ultimamente, os nossos deputados e senadores falam o tempo todo em ética e honra. Parece que falam por falar, sem convicção alguma, nem consciência de seus significados práticos, dando a impressão que usam estas palavras apenas porque são politicamente corretas e precisam criar uma imagem de moralidade e de credibilidade.

A ética está ligada aos valores morais e aos princípios ideais da conduta humana, cujas normas regem as relações entre os diversos membros da sociedade. A honra é o sentimento que leva o homem a procurar merecer e manter a consideração pública. Uma pessoa honrada é aquela que ilustra a classe, a instituição ou o país a que pertence.

Com base nestas significações, fica muito difícil para qualquer brasileiro imaginar que nossos políticos sejam portadores de tais virtudes, ainda mais, agora, com toda a lavagem de roupa suja exposta em rede nacional. Para não fazer uma generalização injusta, até acredito que existam políticos éticos e honrados, mas ofuscados e oprimidos pelo gigantismo dos esquemas de corrupção e proteção vigentes.

As imagens da TV mostram que os políticos indiciados nas CPIs apresentam-se como incorruptíveis, donos da verdade e benfeitores públicos, que, paradoxalmente, exigem punição a quem quer que seja, doa a quem doer. Desta forma, parece que não há culpados no parlamento brasileiro, visto que álibis são forjados, desculpas armadas e estórias criadas, tudo para justificar o injustificável.

As comissões de ética e CPIs atuam morosamente e de forma paternalista e corporativista, patinando na lama e ganhando tempo para que a impunidade seja a grande vencedora. Para agravar o funesto quadro político atual, o presidente da Câmara preconiza o abrandamento das penas para os corruptos e ladrões do dinheiro público. Os parlamentares acusados de corrupção fazem manobras imorais para salvar seus mandatos. Ninguém quer largar o osso. O presidente da república declara que nada sabe e que ninguém pode discutir ética com ele. As CPIs mostram as evidências de um esquema que envolve bilhões de reais e milhares de cargos públicos e ninguém foi punido, cassado ou preso até agora.

Diante deste cenário kafkiano, lembrei-me dos samurais, que existem há mais de 10 séculos no Japão e se destacaram por seguirem um rígido código de honra, servindo seus senhores com lealdade, jamais aceitando a derrota e colocando a própria vida acima de tudo. No passado, os samurais faziam parte da política e das atividades administrativas, eram respeitados pela sociedade e aqueles que não cumpriam as ordens eram punidos. O código de honra era seguido pelos samurais e quando não conseguiam realizar sua missão, ou eram capturados pelos inimigos, sentiam-se desonrados e preferiam a morte. Eles praticavam o conhecido haraquiri, que consistia em cortar a barriga com uma pequena espada chamada wakizashi.

Como não sou adepto do suicídio nem de qualquer tipo de violência, sugiro que nossos congressistas, membros do executivo e demais ocupantes de cargos públicos, dessemelhantes samurais tupiniquins, envolvidos em alguma modalidade de corrupção, incluindo aquelas ainda não descobertas, pratiquem o haraquiri político, ou seja, renunciem a seus mandatos já e se aposentem da vida pública para sempre, abrindo espaço para a limpeza moral do Congresso Nacional e da política do país.

*Marcus Quintella (marcus@quintella.com) é professor do IME e FGV.