Valor Econômico, v.20, n. 4931, 31/01/2020. Política p.A9

 

Demissão de Onyx é tida como “iminente”


Crise na Casa Civil pode antecipar outras mudanças

Andrea Jubé

Marcelo Ribeiro

Matheus Schuch

Fabio Murakawa

A crise na Casa Civil deve precipitar as mudanças no Ministério que o presidente Jair Bolsonaro planejava implantar somente depois do Carnaval. O titular da pasta, Onyx Lorenzoni, antecipou o retorno das férias e desembarca hoje em Brasília para uma reunião com o presidente, com sua permanência no cargo indefinida.

Onyx disse a interlocutores que deseja continuar à frente da pasta, mas nos bastidores, já circulam nomes de seus possíveis sucessores. A expectativa interna no Palácio do Planalto é que ele peça a exoneração diante do esvaziamento de sua função. A se confirmar sua demissão, busca-se internamente uma saída honrosa para o auxiliar.

O remanejamento do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Casa Civil para o Ministério da Economia está no epicentro da crise, que envolve ainda as demissões de dois nomes da confiança de Onyx nos últimos dois dias: José Vicente Santini e Fernando Moura, que ocuparam a secretaria-executiva da pasta.

A situação do ministro dentro do governo passou de “delicada” para “demissão iminente”, segundo depoimentos colhidos de fontes palacianas e até de seus aliados. O início da desidratação de suas funções remonta às negociações pela votação da reforma da Previdência, quando ele perdeu para a Secretaria de Governo a responsabilidade pela articulação política.

Segundo fontes próximas a Bolsonaro, o presidente irritou-se com compromissos assumidos pelo ministro de execução inviável: ele teria afirmado a parlamentares que havia R$ 11 bilhões disponível para emendas extraorçamentárias - recursos transferidos aos municípios indicados pelos deputados e senadores - quando havia somente R$ 4 bilhões.

Na sequência, a Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ) da Presidência, por onde passam todos os atos legais do Executivo, foi transferida da Casa Civil para a Secretaria-Geral da Presidência, com a nomeação de Jorge Oliveira para a pasta.

A fritura de Onyx prolongava-se havia meses. A interlocutores, Bolsonaro expressava insatisfação com o auxiliar e incômodo com o que considerava dedicação excessiva ao seu projeto pessoal, que é a pré-candidatura ao governo do Rio Grande do Sul em 2022, e menor empenho nas ações do governo.

Aliados de Onyx veem “fogo amigo” da parte dos ministros da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e da Economia, Paulo Guedes. Ambos teriam persuadido Bolsonaro a demitir o secretário-executivo Vicente Santini, que requisitou um voo da Força Aérea Brasileira (FAB) para levá-lo ao Fórum Econômico Mundial em Davos e depois à Índia, para se integrar à comitiva presidencial, ao invés de viajar de avião de carreira como outros ministros.

Bolsonaro disse que o ato foi “imoral”, e teria ficado mais irritado ao ser informado que Onyx autorizou Santini a requisitar o jato da FAB. Para aliados de Onyx, o episódio favoreceu Guedes, que arrebatou o PPI, um programa que o titular da Economia cobiçava havia meses. E Ramos, segundo defensores de Onyx, teria interesse na cadeira do vizinho de quarto andar.

Se Bolsonaro efetivar a exoneração de Onyx, vários nomes são cotados para sucedê-lo. Um dos mais fortes é o secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, que tem o aval de Paulo Guedes e excelente interlocução com o Legislativo.

Em paralelo, desponta o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), ligado ao senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) e ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Eventual nomeação de Gomes abriria a vaga na liderança para acomodar Onyx, em seu retorno ao Congresso. Entretanto, a interlocutores, o emedebista pondera que não faria sentido assumir uma pasta esvaziada, pois seu perfil é de articulação política.

O mesmo ocorre com Marinho. Se a opção de Bolsonaro for Gomes ou Marinho, ele teria de transferir as funções de articulação política, hoje com Ramos, de volta para a Casa Civil.

Mas se Bolsonaro preservar a Casa Civil apenas com atividades burocráticas, como a coordenação de políticas públicas do governo, pode promover uma dança das cadeiras na Esplanada dos Ministérios e levar Jorge Oliveira para o lugar de Onyx.

Oliveira resgataria para a pasta a Secretaria de Assuntos Jurídicos, que historicamente compõe o ministério. No perfil de gestor, até o nome do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi ventilado no Planalto para a sucessão de Onyx.

Um interlocutor de Bolsonaro afirma que o presidente estava insatisfeito com Onyx havia meses, mas vem mantendo o auxiliar por dois motivos. Primeiro, porque ele foi um dos primeiros a se somar ao projeto presidencial quando Bolsonaro ainda patinava nas pesquisas. Outra razão é a proximidade com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), aliado de primeira hora do Planalto.

Onyx não pretende pedir demissão e acredita que não será dispensado pelo seu histórico de lealdade. Mas interlocutores o advertiram que essa qualidade não poupou outros quadros do governo. Os exemplos mais notórios são os ex-ministros Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) e Carlos Alberto Santos Cruz (Secretaria de Governo).

Fragilizado internamente, o ministro vinha fazendo movimentos para se fortalecer no cargo. Avocou para si a reformulação dos principais programas da área social do governo, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida (MCMV). (Colaboraram Vandson Lima e Renan Truffi)

 

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Em vitória de Guedes, PPI vai para pasta da Economia

Lu Aiko Otta

Matheus Schuch

Fabio Garner

O deslize de integrantes da cúpula da Casa Civil, que usaram um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) numa viagem internacional, desencadeou uma mudança na estrutura do governo há muito cogitada: a transferência do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Casa Civil para o Ministério da Economia. A medida foi anunciada ontem pelo próprio presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais, embora o formato para a recepção do PPI na pasta ainda esteja sendo estruturado.

Responsável por fazer os preparativos técnicos para privatizações e concessões, o PPI estava na Casa Civil como resultado de um arranjo político, e não pela lógica desenhada antes mesmo do início do governo de Bolsonaro. Desde a transição, a ideia era reunir sob o comando de Paulo Guedes toda a área de concessões e privatizações. A expectativa é que a mudança, se concretizada, melhorará o andamento dos programas.

Apesar disso, porém, no início de 2019 o PPI ficou na Secretaria de Governo, então sob o comando do general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Na época prevaleceu o argumento que o PPI, por ter um papel de coordenação entre ministérios com vistas à privatização e às concessões, precisaria ficar no Palácio do Planalto.

Em junho do ano passado, com a saída de Santos Cruz, os órgãos de assessoramento do presidente da República foram redesenhados. A Casa Civil perdeu a Secretaria de Assuntos Jurídicos (SAJ), responsável por fazer revisão jurídica e colocar na mesa de Bolsonaro os atos legais que depois são publicados no “Diário Oficial da União”.

Como compensação, Onyx ganhou o PPI. Essa mudança, porém, causou preocupação na área técnica, que temia a politização do órgão.

O arranjo não satisfez ao ministro da Economia, Paulo Guedes. O ciclo de trabalhos técnicos para privatizações e concessões ficou dividido. Isso gerou atritos com a Casa Civil, que acusava a Economia de querer comandar os trabalhos sozinho.

Escalado para privatizar, o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, não escondia sua impaciência com esse formato. No início do governo, questionado sobre como seria a interação entre sua secretaria e o PPI, ele respondeu: “Também gostaria de saber.”

Apesar do nome, a secretaria de Salim não tem até hoje uma estrutura dedicada às desestatizações. Abriga duas secretarias: a de Coordenação e Governança das Empresas Estatais e a de Coordenação e Governança do Patrimônio da União.

Na área econômica, a avaliação é que, nesse desenho dividido, o PPI começou a “travar” as privatizações e concessões. Em vez de desempenhar o papel de coordenação e articulação, como previsto no início do governo, passou a defender posições próprias e a tentar se sobrepor aos demais ministérios. Mas, sem força para isso, acabou gerando impasses.

O PPI é criticado também por ser uma instância adicional e desnecessária nas concessões em energia elétrica, óleo e gás. As concessões nessas áreas já ocorriam antes da criação do PPI e não houve alteração significativa na dinâmica desses processos, que são tocados pelas agências reguladoras. A atuação do PPI foi mais significativa nas concessões de aeroportos e de rodovias.

O “fast track” para privatizações, ainda em formulação, deve tocar nas alçadas do PPI. Ele perderia a função de inscrever empresas estatais no Programa Nacional de Desestatização (PND), pois todas elas seriam incluídas de uma só vez.

Pessoas próximas a Mattar acham que, quando concretizada a migração do PPI, ele buscará um perfil próximo do mercado para comandá-lo. A atual secretária especial do PPI, Martha Seillier, tem poucas chances de ser mantida. Funcionária do governo federal com carreira brilhante, ela era uma das passageiras do jato da FAB. Guedes, que há cerca de seis meses havia pedido para que o PPI saísse da Casa Civil e fosse para o seu guarda-chuva, determinou que sua equipe converse com técnicos do PPI para mapear a estrutura atual.