Valor Econômico, v. 20, n. 4821 23/08/2019. Especial, p. A16
Desestatização deve levar à revisão de marco legal
André Ramalho
Rodrigo Polito
Uma eventual privatização da Petrobras deve desencadear, nos próximos anos, uma discussão mais profunda, no Congresso, sobre a revisão do marco legal do setor de óleo e gás. Na avaliação de especialistas, o fim do direito de preferência da estatal na aquisição de áreas do pré-sal e até mesmo do próprio regime de partilha pode ganhar força daqui para frente.
Para a pesquisadora da FGV Energia Fernanda Delgado, o debate sobre a privatização da maior estatal do país, naturalmente, "abre o flanco" para a rediscussão do arcabouço regulatório do setor. Ela destaca a importância de que o assunto seja tratado de forma cuidadosa e aprofundada, no Congresso. "Dá a sensação de que uma nova alteração no marco legal [nove anos após a Lei da Partilha, de 2010] possa trazer um clima de instabilidade que não contribui para a atração de investidores."
Independentemente do sucesso do governo em conseguir privatizar a petroleira, ela vê como positiva a discussão sobre a desestatização da empresa. "Antes, esse assunto era um tabu, não havia espaço para debate", afirma.
Na visão do sócio do BMA Advogados José Guilherme Berman, a tendência é que a privatização da Petrobras e a rediscussão do marco do setor caminhem em paralelo. Ele acredita, porém, que a revisão das regras da partilha tende a avançar com menos dificuldade. "É importante que essa discussão sobre mudanças no marco ocorra antes da privatização, para dar segurança a investidores", afirmou.
Segundo ele, se a opção do governo for por vender lotes de suas ações na empresa, em bolsa, para investidores financeiros, "pode fazer sentido" acabar com o regime de partilha e trabalhar apenas com concessões. Para ele, a concessão tende a ser mais atrativa.
"Na concessão, o ganho de eficiência é da empresa. No contrato de partilha, a empresa é reembolsada pelos custos, isso tende a não incentivar a eficiência", disse. Já o fim do direito de preferência da Petrobras nos leilões de partilha, caso o regime seja mantido, pode impactar negativamente o valor da estatal para efeito de venda.
Para a economista, advogada e ex-diretora da área de desestatização do BNDES, Elena Landau, o direito de preferência para a Petrobras nos leilões de partilha deveria ser excluído independentemente da privatização. Se a desestatização for efetivada, a cláusula perde ainda mais o seu sentido. Ela também considera importante que o novo marco do gás natural esteja já definido no momento em que a Petrobras for privatizada.
A revisão do marco do pré-sal é assunto que frequentemente entra na pauta da indústria de óleo e gás. Nesta semana, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, destacou que o Brasil precisa acabar com o regime de partilha, ou ao menos flexibilizar o modelo.
Pelo modelo de partilha, as empresas destinam parte do volume de óleo que produzem para a União e ainda pagam royalties, com base em uma alíquota de 15% - superior à alíquota de até 10% prevista no regime de concessão. Na partilha, por outro lado, as petroleiras não pagam participações especiais (compensação financeira que incide sobre os campos de maior produtividade). A administração de contratos de partilha é considerada mais complexa.
A intenção por trás da flexibilização da partilha é permitir que áreas de menor atratividade, como ativos do pós-sal situados no polígono, sejam licitadas sob o regime de concessão. Na visão de parte da indústria, campos de menor produtividade têm mais dificuldade de se viabilizarem economicamente no modelo de partilha.