Valor Econômico, v. 20, n. 4902, 17/12/2019. Empresas, p. B5
 

Fibra leva empresas a rever estratégia
 Ivone Santana

 

Algumas operadoras de telecomunicações possivelmente não imaginavam que as torres de telefonia que estavam vendendo para levantar recursos e deixar a empresa mais enxuta, há alguns anos, se tornariam ativos que hoje dão muito mais valor às companhias que os possuem em comparação àquelas que ficaram majoritariamente com serviços.

“As teles devem ter certa inveja das empresas de torres, poderiam ter negociado melhor [a venda do ativo], ter permanecido como sócias ou criado uma empresa separada”, diz Franz Bedacht, sócio da Bain & Company. A consultoria fez um estudo que mostra a valorização de empresas com e sem infraestrutura, nos últimos anos. De 2013 a 2018, essas transações representaram apenas 10% do valor total das operações de fusões e aquisições, diz a Bain. Mas essa parcela aumentará à medida que as empresas enfrentarem opções cada vez menores para crescimento lucrativo em um setor maduro.

Projetos de compartilhamento de rede, como os casos de TIM e Oi, devem ser a lição que a tecnologia de fibras vem ensinando às empresas, diz Bedacht. Em sua opinião, as teles em geral vêm fazendo as contas e reconhecendo o valor dos ativos, por isso estão experimentando uma série de modelos de negócios, como franquia de rede, fusão de pequenos negócios para ter mais representatividade, compartilhamento etc.

A fibra pode ser a nova onda de investimento e de fusão e aquisição, mas isso não significa que o tempo das torres acabou. A demanda ainda é grande, diz Mauricio Giusti, diretor-presidente da gestora Phoenix Tower, que possui 2,3 mil torres. Ele destaca que nos EUA há de 400 a 500 usuários por torre, enquanto no Brasil são 4 mil por unidade. Quando vier a rede 5G, essa necessidade será quatro vezes maior, diz ele.

No Brasil, a maioria das teles vendeu grande parte de suas torres para gestores e manteve uma quantidade considerada estratégica. A exceção é a Claro, que não se desfez de nada.

O movimento de fusões e aquisições ainda é recente no país. Além das grandes teles, cerca de 4 mil provedores de banda larga, todos com redes em fibra óptica, gestores de torres e investidores têm avaliado a consolidação. Quando a Telefônica, dona da Vivo, comprou a GVT, em 2015, a rede de fibra era um dos principais atrativos.

A maior gestora de torres do Brasil, a American Tower, com cerca de 20 mil torres, e a Algar Telecom compraram a rede de fibra da Cemig Telecom no ano passado. Cada empresa levou um lote referente a determinada região.

Agora, a Phoenix Tower, que está entre as oito maiores gestoras de torres no Brasil [o grupo detém 65% desses ativos, segundo especialistas], começou a construir sua própria rede de fibra. Já atua em Varginha, no interior paulista, como rede neutra, sem operar, e planeja expandir em 2020, passando em frente a 200 mil domicílios de dez cidades do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Mesmo nas cidades remotas ou de baixa densidade, os habitantes querem uma conexão à internet com qualidade, velocidade e alta capacidade. Por isso, a fibra está presente nas mais diversas regiões brasileiras, levada pelos provedores regionais. No começo, esses prestadores usavam o rádio como tecnologia. Hoje, estão com fibra.

“A fibra é estratégica e a melhor forma de atender os clientes”, afirma Jean Borges, diretor-presidente da Algar Telecom. O executivo diz que estuda se a parte de rede será separada em outra empresa. Um dos fatores decisivos é se a cisão vai agregar valor para prestar serviços ao cliente.

Borges reconhece que hoje há muita fibra no mercado, mas alerta que é preciso avaliar a qualidade, o suporte técnico oferecido, se há redundância para aumentar a resiliência. “Não é racional todo mundo ter as próprias redes. Em São Paulo, tem rede demais, é um desperdício”, afirma o executivo. “Eventualmente, caminharemos para uma convergência no futuro.”

Com 90 mil quilômetros de fibra instalada, a Algar continua em expansão. Sobre a concorrência, Borges diz que as gestoras “têm bolso quase infinito”, mas ainda lhes falta conhecimento da operação. “Para jogar esse jogo, vão ter que se transformar.”

A Oi também analisa se vai cindir a parte de infraestrutura. Possui a maior rede de fibra do país, com 390 mil quilômetros, mas para oferecer um serviço como provedor neutro de rede não é preciso ter outro CNPJ, diz Rodrigo Abreu, que em 31 de janeiro assume o cargo de diretor-presidente.

Os concorrentes desejam a rede da Oi, que está em recuperação judicial, e estão na expectativa de que seja colocada à venda. “Eventualmente, a gente pode pensar em vender pedaços de fibras que são duplicadas, apagadas [sem operar], não utilizadas. Mas a fibra da Oi, do ponto de vista do transporte, de backhaul, de conexão com as casas, faz parte do ativo central da companhia e não está em discussão de venda neste momento”, afirma Abreu.

Mas em São Paulo, onde a Oi atende o mercado corporativo e não pretende usar a fibra para banda larga residencial, alguns ativos poderão ser considerados para venda, diz Abreu. O negócio corporativo responde por mais de R$ 5 bilhões de receita para a Oi, diz o executivo. “Os dois grandes ‘drivers’ de demanda do consumo da fibra são 5G e a banda larga residencial de fibra”, afirma ele.

O estudo “The new age of scale, scope and infrastructure in telecom M&A”, da Bain & Company, indica que o valor dos acordos globais de fusão e aquisição em telecomunicações atingiu US$ 1,1 trilhão de 2013 a 2018. Do total, 90% dos negócios foram realizados nas Américas, na Europa, no Oriente Médio e na África, segundo análises da Dealogic e Bain. Nesse período, torres e fibras foram alvos de saída parcial de investimentos. “Nossa pesquisa descobriu que o lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização é multiplicado por três a quatro vezes mais do que entre vendas e serviços”, dizem os analistas da Bain.