Título: Dirceu apela a grupo de Garotinho
Autor: Ana Maria Tahan e Leila Youssef
Fonte: Jornal do Brasil, 11/10/2005, País, p. A3

Ex-deputado tenta, no Rio, arregimentar votos contra a cassação. Decisão do STF sobre o processo será dada em plenário

Enquanto outros petistas que integram a lista dos parlamentares à beira de perder o mandato estudavam em Brasília a eventualidade da renúncia para manter pelo menos o direito de concorrer novamente no ano que vem, o deputado e ex-ministro José Dirceu ¿ que não pode mais se valer dessa possibilidade para manter os direitos políticos ¿ peregrinava pelo Rio. Desembarcou em território de adversários para arregimentar no grupo do peemedebista Anthony Garotinho votos contra a cassação em plenário. Se valendo do fato de que, passados mais de 150 dias de CPI, nenhuma prova foi produzida contra ele, o ex-todo-poderoso ministro da Casa Civil está certo de que os liderados de Garotinho ficarão do seu lado, segundo um dos participantes da reunião.

José Dirceu faz contas por bancadas ao mesmo tempo em que aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre seu pedido de liminar para suspender o processo na Câmara. O argumento do deputado ¿ acusado de ser o mentor do mensalão e do caixa 2 do PT ¿ é de que os crimes que lhe atribuem se deram quando estava licenciado para ocupar cargo de chefe da Casa Civil e, assim, não pode ser julgado pela Casa. Usa na defesa exemplos do passado, como o do ex-ministro da Previdência Jair Soares, a quem o STF deu decisão favorável em caso quase semelhante.

Mas a decisão só virá na próxima semana. Ontem, o ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal, relator do pedido de liminar no mandado de segurança ajuizado pelo deputado, resolveu submeter a questão ao plenário do tribunal.

Normalmente, os ministros sorteados relatores tomam decisões solitárias, que só depois são confirmadas ou derrotadas no plenário. Assessores admitiram que Pertence tomou a decisão tendo em vista, não só o fato de que se trata de matéria ¿delicada¿, de grande repercussão política, mas também por não ter o STF ainda jurisprudência sobre o principal argumento da petição.

Nos encontros que manteve no Rio, Dirceu oscilava momentos de segurança e incerteza. Ora achava que contará com a boa vontade de seus pares no plenário, ora dizia ser impossível garantir maioria para lhe permitir escapar. Afinal, seu julgamento político já está quase concluído, ao seu ver. Da mesma forma que acha que a sua imagem foi desconstruída, nem ele mesmo sabe quais as cicatrizes que vão ficar na vida pública.

Contou, segundo interlocutores, que ficou mais calmo e mais otimista, de fato, ao ver o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) ser eleito presidente da Câmara. Não por viciar o processo a seu favor, mas por ser mais imparcial, ainda que Aldo esteja entre as testemunhas defesa do deputado no Conselho de Ética.

Atingido por mais uma denúncia de tráfico de influência ¿ dessa vez envolvendo o filho Zeca Dirceu ¿ , ele reage, impaciente com a avalanche de acusações que qualifica como requentadas.

Ontem, por meio da assessoria, o filho do ex-ministro, prefeito de Cruzeiro d'Oeste (PR), afirmou não ter conhecimento de supostas irregularidades no registro de processos para a obtenção de recursos no extinto Ministério da Assistência Social.

José Dirceu, por sua vez, assegura que o herdeiro trabalhou pela captação de recursos em nome da associações de prefeitos do Paraná, legitimado pelo cargo que exercia então no governo daquele estado.

Os momentos de oscilação do ex-ministro se tornam mais evidentes quando o assunto introduz o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Passados quatro meses desde que a crise se estabeleceu em torno do governo, Dirceu fala ainda com a propriedade de um ministro. Embora tente se colocar distante, sai em defesa da administração e para quem acha que o ¿fui traído¿ de Lula era um recado para ele, rebate:

¿ Essa carapuça não visto. Quem sabe ele falava de Roberto Jefferson. Dirceu garante estar bem com o presidente, mas também não leva o assunto adiante. Limita-se a considerar que Lula tem de governar e não sair em sua defesa.

Ciente de que não cometeu crimes, o ex-ministro demonstra sensação do dever cumprido: por algumas vezes alertou o presidente Lula sobre a fragilidade do governo no Congresso, como confidenciou a interlocutores.

¿ Eu disse várias vezes: presidente, corremos risco de uma CPI e até impeachment. Não temos maioria e parte de quem tem poder no país não nos aceita aqui no Planalto. Temos de estar preparados.

Sobre o futuro, aos curiosos avisa que é um guerreiro, já refez três vezes a biografia e está preparado para outros embates. Imagina-se, sem mandato, organizando entidades civis e organizações não-governamentais, transformando-as em centros de cobrança e tensão para os chefes da Nação, quaisquer que sejam.

Colaborou Luiz Orlando Carneiro