O Globo, n. 32652, 30/12/2022. Economia, p. 13

O desafio da inflação

Carolina Nalin


O ano de 2023 se anuncia desafiador com relação aos preços praticados ao consumidor. Depois de três anos de inflação sob pressão, economistas explicam que os preços se encontram em um novo patamar pós-pandemia. E reduzi-los será uma tarefa árdua, com chances de a inflação terminar 2023 no mesmo nível deste ano.

Se em 2022 a alta de alimentos e serviços foram os principais vilões, a expectativa é que os preços administrados pesem mais daqui para frente, já que uma série de incertezas fiscais rondam o cenário. No curto prazo, o impasse sobre a desoneração dos combustíveis pode pesar no bolso do brasileiro.

O Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) — medido pelo IBGE e que deve encerrar este ano com alta de 5,64% — tende a terminar o ano que vem próximo a 5,23%, segundo mediana das projeções do Boletim Focus, do Banco Central (BC). Será o terceiro ano seguido de estouro da meta de inflação.

Para 2023, a autoridade monetária estabeleceu a meta de 3,25%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima (4,75%) ou para baixo (1,75%).

Economistas explicam que, uma vez que o patamar de preços sobe, não é tarefa fácil sair rapidamente desse nível de inflação alta — fenômeno que ocorre no Brasil e no mundo hoje. Este ano, o consumidor brasileiro sentiu o peso da inflação em itens como leite longa vida, que teve alta de 31%; frutas, que subiram 26%; vestuário, que aumentou 22,84%; e gás de botijão, que foi reajustado em 6,87%.

Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV, lembra que a economia mundial sofreu choques de preços de alimentos e combustíveis a partir de 2021. Aos poucos, o mundo entrou em processo de desinflação, dado que os bancos centrais elevaram as taxas de juros.

Mas a principal dúvida, segundo ele, é a velocidade com que essa desaceleração dos preços vai ocorrer e se ela será suficiente para alcançar as metas de inflação. Padovani projeta IPCA de 5,6% em 2022 e de 5,5% em 2023.

— O que estamos assistindo no Brasil e no mundo é uma luta de alto custo econômico, social e político para se reduzir o ritmo de alta dos preços. O desafio da desinflação é alto. É um processo que exige muito esforço e muito custo em termos de crescimento econômico. E, no caso brasileiro, você tem gastos do governo adiante, o que torna mais difícil o processo de redução da inflação — comenta o economista.

Se os vilões da inflação este ano foram alimentação e serviços, a inflação em 2023 deverá subir por conta dos preços administrados, como combustíveis e energia elétrica. O principal ponto de incerteza hoje se refere ao impasse sobre a continuidade ou não da isenção dos impostos federais (PIS/Cofins e Cide) sobre os combustíveis, zerados pelo governo Bolsonaro este ano como estratégia para frear a inflação.

Revisão das projeções

O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pediu ao atual governo que não prorrogue a isenção de impostos sobre os combustíveis. Essa redução só vale até amanhã. A partir de 1º de janeiro, os impostos sobre gasolina, diesel e gás de cozinha voltam a subir.

— O risco de inflação no ano que vem é em função do forte apetite por gastos públicos do governo eleito, que pode levar à elevação dos impostos sobre combustíveis como forma de melhorar a arrecadação. Isso poderia impedir uma desaceleração maior da inflação. (...) Mas é possível que esse aumento nos impostos dos combustíveis aconteça por conta da queda do preço do petróleo no mercado internacional, e aí o impacto para o consumidor não seria tão grande — avalia Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco Mizuho, que passou a projetar IPCA de 5,7% ante 5,3% em 2023 em razão da volta dos impostos sobre os combustíveis.

A possibilidade de retorno dos tributos sobre os combustíveis é o principal ponto de atenção também do Credit Suisse, disseram analistas. Mesmo sem a volta dos impostos, o banco suíço já projetava IPCA com alta de quase 6% ano que vem.

“Esperamos inflação do IPCA de 5,9% em 2022 e, sem a devolução dos impostos sobre combustíveis, de 5,8% em 2023”, pontuaram Solange Srour, Rafael Castilho e Francisco Lima Filho, em relatório.

Nos cálculos do economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, o retorno dos impostos federais sobre combustíveis deve elevar o IPCA em 0,51 ponto percentual em 2023. O efeito já está previsto pela corretora, que projeta inflação de 5,4% no ano que vem.

O Itaú Unibanco também incorporou à projeção de inflação em 2023 a volta do PIS/Cofins sobre os combustíveis. Além disso, prevê uma desinflação mais lenta de serviços com ganhos de salário reais.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, que projeta 5,3% de inflação no ano que vem com a volta dos impostos, acrescenta que há outras incertezas no cenário. Segundo ele, será preciso acompanhar o câmbio e a trajetória da inflação dos alimentos diante de uma demanda ainda pressionada no ano que vem.

— É uma inflação que tem riscos para cima. A gente precisa esperar os primeiros movimentos do governo para consolidar uma inflação um pouco mais baixa do que neste ano. De qualquer maneira, são três anos de inflação muito acima da meta, o que coloca uma pressão muito grande em cima do Banco Central para que ele não perca de novo a meta em 2024.

Juros: alta por mais tempo

A perspectiva de inflação alta, junto a incertezas, tem levado economistas a considerarem juros em patamar elevado por mais tempo, com espaço menor para cortes ao longo do próximo ano. A taxa básica de juros, a Selic, atualmente está em 13,75% ao ano. “Esperamos cortes apenas no último trimestre de 2023, para 12,50% (antes, 11%)”, destacou o Itaú Unibanco, em relatório.

Rostagno, do Mizuho, projeta um ciclo moderado de corte de juros somente a partir de setembro. E pondera que, a depender a evolução dos gastos do governo e do cenário externo, pode ser que o Banco Central nem tenha espaço para reduzir a taxa Selic no ano que vem:

— A gente está postergando o ciclo de corte de juros. O risco é voltarmos para o equilíbrio ruim da política econômica, com política fiscal muito expansionista demandando política monetária bastante restritiva, e essa combinação levando a um crescimento econômico baixo e com inflação alta.