O Globo, n. 32601, 09/11/2022. Política, p. 8

PSDB não deve ter cargos nem integrar a base de Lula

Entrevista: Tasso Jereissati


Ex-presidente do PSDB, o senador Tasso Jereissati (CE) foi uma das principais lideranças tucanas a declarar apoio ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições contra Jair Bolsonaro (PL). Logo após a vitória, também foi um dos primeiros da sigla a ter uma “demorada conversa” com o petista sobre como será o novo governo.

Em entrevista ao GLOBO, o senador contou que Lula prometeu fazer um “governo aberto” e “que não seria pautado apenas pelas agendas do PT” Mesmo assim, na visão de Tasso, o PSDB deve se manter independente, numa postura de “oposição não sistemática” sem ocupar cargos ou integrar a base aliada no Congresso.

Diante de um dos piores resultados do partido nas urnas, quando caiu de 29 para 13 deputados e perdeu o comando de São Paulo, o estado mais rico do país, Tasso defende uma “transição radical” na legenda, com a ascensão de novas lideranças, como o governador eleito do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.

Qual deve ser o papel do PSDB no novo governo?

Na minha opinião, nós devemos fazer uma oposição não sistemática, como fizemos no primeiro governo do Lula, aprovando vários projetos de interesse dele. O presidente Lula está se propondo a fazer um governo de coalizão que conjugue várias tendências e pensamentos. Então, vamos esperar para ver até que ponto vai a nossa oposição. Na minha opinião, o partido não deve ter cargos nem integrar a base de governo; tem que ficar independente.

O PSDB teve um encolhimento de mais de 40% na bancada e perdeu o governo de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país. É o pior momento do partido?

Já passou do pior momento. Agora temos uma expectativa positiva. Tivemos uma geração (no passado) que fez o melhor partido do país. Construímos um Brasil novo, sem inflação e com arcabouço fiscal. E essa geração, com o tempo, envelheceu. E isso causou um declínio no âmbito eleitoral. Nessas eleições, vivemos o momento mais baixo em número de parlamentares. Mas elegemos três governadores excepcionais (Eduardo Leite no Rio Grande do Sul; Raquel Lyra em Pernambuco; e Eduardo Riedel no Mato Grosso do Sul). São jovens, com muito talento e espírito público. É o início de um novo PSDB, com a cara e a mentalidade deles.

Quem deve comandar o PSDB a partir de agora?

Os três governadores, junto com o Pedro Cunha Lima (candidato derrotado na Paraíba) e o Ricardo Ferraço (vice-governador eleito do Espírito Santo). A cara e a cabeça do partido devem ser essas.

Como o senhor vê o ex-governador Geraldo Alckmin, que se desfiliou do PSDB, como vice de Lula?

O Geraldo pode mudar de partido, mas ele tem jeito de tucano, cara de tucano e mente de tucano. Não tem jeito! Todo mundo olha para ele e acha que é um tucano. E nós ainda temos uma ligação e uma interlocução muito forte com ele.

O que o senhor conversou com Lula após o segundo turno?

Ele me chamou e eu fui conversar com ele no hotel em que estava em São Paulo. Ele falou dessa disposição de fazer um governo aberto, da preocupação extrema em acertar e que o governo não seria pautado apenas pelas agendas do PT. Lógico que o PT terá um papel forte, mas ele entendeu que o resultado foi de uma conjugação de esforços de vários partidos e tendências.

Por muitos anos, o PSDB foi o principal partido de oposição ao PT. Como vê essa mudança de postura neste momento?

Nem sempre foi assim. Durante o impeachment do presidente Fernando Collor, por exemplo, nós sentávamos quase toda semana juntos. Eu como presidente do PSDB, o Lula como presidente do PT, e o (Orestes) Quércia como presidente do MDB. E trabalhamos juntos e até se chegou a estudar a possibilidade de uma chapa conjunta, que não foi adiante. Acontece que quando o Fernando Henrique assumiu, o PT mais radical veio à tona e cometeu o grande erro, a meu ver, que gerou o Bolsonaro: nos transformar em inimigo número 1 e até nos demonizar. E aí dividiu o país, quando o PT fez o “nós contra eles”. Esse tipo de posicionamento levou ao surgimento de Bolsonaro, que trouxe à tona no país o que não existia — uma extrema-direita organizada. Agora, nós formamos uma frente e declaramos apoio ao Lula — todos os ex-presidentes do PSDB —, porque este é um governo com características fascistas que está muito longe de nós.

O senhor prevê uma relação complicada entre o governo e o Congresso na próxima legislatura?

Na verdade, eu vejo tempos difíceis na economia. Estamos com inflação alta, juro mais alto do mundo, o planeta entrando em recessão, as famílias ficando endividadas. O cenário não é fácil, e ainda com esse problema fiscal que o governo vai ter que resolver daqui para lá. Mas o grupo mais radical é menor do que apoia o governo Bolsonaro hoje. E o governo federal é sempre atraente para os políticos, na história do Brasil. Só o fato de o governo mudar já tem um apelo maior, de dar uma assentada.

Lula deve ter governabilidade, então?

Acho que sim, vai ter que negociar. Ele sabe que tem o Centrão aí e que é preciso muita habilidade dele.

Qual é a sua avaliação sobre a PEC da Transição? Vai ter dificuldade de passar?

Internamente, vamos ter uma reunião amanhã (hoje) para discutir alguns desses assuntos. A princípio, me parece que a PEC é uma solução mais segura, que não tem questionamento. Minha experiência é que todo o governo que entra tem um período que eu chamo de “graça”. Evidentemente que se for uma coisa absurda, vai ter contestação. Mas se vier como eu espero que venha, razoável, é para o bem de todos, no sentido de dar condição de que um governo inicie com normalidade e condições de governabilidade.

Na sua opinião, quais devem ser as prioridades para o novo governo?

Toda a perspectiva de investimento no Brasil melhorou muito. Nós estávamos como um pária internacional, isolados. Só a eleição do Lula deu uma melhorada no humor internacional em relação ao Brasil. E, para que isso permaneça, a questão fiscal tem que ser bem resolvida. O governo precisa apresentar uma âncora fiscal que substitua o teto de gastos com credibilidade. Com isso, nós vamos ter uma possibilidade de investimento. E, dentro desse cenário, a condição de termos uma política social mais abrangente. O Brasil precisa desse equilíbrio com urgência.

Qual é o melhor perfil para o ministro da Economia?

Ele tem que colocar um ministro da Economia “bem cercado”.

Como assim?

Quando eu era senador de oposição, o (Antonio) Palocci foi ministro da Fazenda e ele tinha os dois principais assessores: o Marcos Lisboa e o (Bernard) Appy, dois economistas excepcionais. Então, o papel que o Palocci teve, e eu estava aqui no Senado, foi o de conversar conosco. Ele sabe conversar bem e a formulação era deles (economistas). Pode ser um nome do PT, mas com um time altamente qualificado.

Como o senhor vê o bolsonarismo hoje, que subsiste apesar da derrota de Bolsonaro?

É um mal que é histórico e está presente no mundo todo. Como o (Donald) Trump nos Estados Unidos e a Giorgia Miloni na Itália. É um fenômeno que está acontecendo no mundo inteiro. Não é novo. No passado nós tivemos Hitler, Mussolini, Salazar.