Valor Econômico, n. 4955, 10/03/2020. Finanças, p. C5

Queda do petróleo abala títulos de dívida com grau especulativo

Joe Rennison


O segmento de maior risco do mercado de bônus corporativos foi fortemente impactado ontem em reação à queda livre da cotação do petróleo, com os preços dos papéis caindo e o seguro contra calotes subindo na Europa e nos Estados Unidos.

Os títulos de dívidas emitidos por empresas americanas de petróleo e gás de xisto sentiram especialmente o golpe, depois que a divergência entre a Arábia Saudita e a Rússia veio à tona no fim de semana e derrubou os preços do petróleo em mais de 20% ontem.

Os bônus da Whiting Petroleum com vencimento em 2021, que tiveram a classificação rebaixada pela S&P Global na semana passada, caíram para 18% do valor de face no fim da manhã, em Nova York. Em janeiro, eram negociados a 100% do valor de face e, no início de março, a US$ 0,57 por dólar.

O valor dos títulos da Occidental Petroleum com vencimento em 2049 caiu cerca de US$ 0,30 por dólar, para um valor em torno de 55% do valor nominal. Os papéis da Antero Resources com vencimento em 2023 caíram de mais de US$ 0,50 por dólar para cerca de 30% do valor de face.

O custo da operação de seguro contra calotes dos bônus de alto risco e alto rendimento de empresas americanas chegou a subir para um patamar superior a 600 pontos-base ontem, superando o pico observado no período anterior de agitação no mercado de títulos de empresas de petróleo, em 2016, para depois ficar em 550 pontos-base, segundo dados da IHS Markit.

“Um mergulho de quase 20% no petróleo da noite para o dia provavelmente vai resultar em uma carnificina no mercado. A grande questão, no entanto, é [como será] o contágio ao mercado de alto rendimento como um todo, fora do setor de energia. Do nosso ponto de vista, é inevitável.”

Os bônus considerados mais seguros também já começam a mostrar rachaduras. A operação de seguro contra calotes em títulos de empresas com classificação de investimento não especulativo subiu para 130 pontos-base, o maior patamar desde 2011 e a maior alta desde a quebra do Lehman Brothers em 2008. O ETF (fundo negociado em bolsa como se fosse uma ação) da BlackRock iShares composto por bônus de alto risco, conhecido como HYG, chegou a cair 5% pela manhã, para seu menor preço desde o fim de 2018.

Outras empresas petrolíferas muito endividadas também sentiram o impacto, como Laredo Petroleum, Oasis Petroleum, Range Resources e California Resources. Os bônus da empresa de gás Chesapeake com vencimento em 2021 caíram de 70% para 51% do valor de face ontem.

“Estamos na crista de uma nova rodada de reestruturações das empresas de energia, tanto dentro como fora dos tribunais”, disse John Dixon, operador de bônus de alto risco no Dinosaur Financial Group.

“Com muitas dessas empresas já gastando mais do que o fluxo de caixa [delas], esperem cortes pesados nos investimentos em bens de capital, o que vai afetar ainda mais fornecedores e prestadores de serviço em situação já complicada.”

A agência de avaliação de risco de crédito Moody’s destacou em relatório em fevereiro que as empresas de produção e exploração americanas têm US$ 86 bilhões em títulos de dívidas vencendo antes de 2024, sendo que o pico para as empresas com ratings fracos será em 2022.

O acesso aos mercados de bônus já está mais difícil para as petrolíferas, o que aumenta o risco de que não consigam refinanciar suas dívidas e acabem quebrando. “O recente comportamento dos investidores indica que [...] as empresas vão continuar a ter um acesso atipicamente difícil ao capital em comparação aos anos anteriores e a outros setores, o que vai aumentar significativamente seu custo de capital no médio prazo e o risco de inadimplência”, escreveram os analistas Sajjad Alam e Stev Wood no informe.