Valor Econômico, n. 4958, 12/03/2020. Internacional, p. A15

Após crise na saúde e na economia, vírus ameaça causar choque político

Marsílea Gombata


Após choques de distintas escalas nas maiores economias do mundo, a próxima fase da epidemia do coronavírus deverá ser no campo político. Há cada vez mais políticos e autoridades infectados, e isso ameaça o funcionamento de governo e instituições, dizem analistas. A epidemia começa a prejudicar o dia a dia de parlamentos, as primárias americanas, e pode prejudicar as próximas eleições na França, na Polônia e até a disputa pela Casa Branca, em novembro.

Na última semana o ministro da Cultura da França, um deputado espanhol e a vice-ministra da Saúde britânica testaram positivo para o covid-19. O presidente do Parlamento Europeu está em autoquarentena, e diversas autoridades na Itália estão infectadas. No Irã, além da morte de um assessor do aiatolá Ali Khamenei, muitos políticos e outras autoridades foram contaminados.

Nos EUA, o chefe de gabinete de Donald Trump está de quarentena, assim como congressistas republicanos. O avanço da epidemia levou deputados a aventarem a possibilidade de suspender as atividades do Congresso, o que foi rejeitado pela presidente da Câmara, Nancy Pelosi. “Somos os capitães do navio. Somos os últimos a sair”, disse.

A depender das medidas de restrições adotadas, o dia a dia do Congresso americano e de outros parlamentos poderá ser afetado, afirma o analista David Livingston, da consultoria Eurasia. “Uma potencial disrupção no Congresso pode pesar em discussões sobre o que fazer em relação ao coronavírus, assim como em negociações e aprovações de medidas de estímulo para combater os efeitos da epidemia”, afirma.

Ele argumenta que, após os choques econômicos decorrentes do coronavírus, choques políticos começarão a ser sentidos, especialmente em países mais vulneráveis e com sistemas de saúde precários para lidar com a crise.

Nas primárias americanas, Joe Biden e Bernie Sanders, que disputam a candidatura democrata, suspenderam comícios. O presidente Trump pode vir a fazer o mesmo em breve. Mas, como a candidatura republicana está definida, os pré-candidatos democratas serão mais prejudicamos, diz o analista. “Se as preocupações com o vírus não forem contidas, o contágio político das primárias pode chegar à eleição dos EUA em novembro”, alerta.

Até agora, as duas grandes eleições nacionais que ocorreram no pico da epidemia - Irã e Israel - não sentiram os efeitos políticos do coronavírus. As eleições municipais da França, no próximo domingo, serão um teste importante. Pesquisa recente mostra que 25% não sairão para votar por medo do vírus.

Preocupação semelhante existe em relação à eleição presidencial na Polônia, em maio. Autoridades começam a debater se não seria o caso de adiar a votação.

Na América Latina, apesar de o número de casos ainda não ter avançado tanto quanto na Europa ou Ásia, o efeito político também é sentido. No Brasil, uma portaria passará a restringir o acesso ao Congresso a partir da próxima semana, como medida para tentar combater a epidemia.

Em termos eleitorais, o impacto mais imediato é no plebiscito constitucional do Chile, marcado para abril, afirma Nicholas Watson, da consultoria Teneo Intelligence. “Autoridades ainda não falam em adiar, mas estão monitorando o avanço da epidemia”, afirma. “O mesmo vale para eleições municipais do Brasil, marcadas para outubro.”

Watson lembra que a maioria dos países da região tem parlamentares suplentes, que podem substituir congressistas que estiverem doentes ou de quarentena. Ele diz que devem sofrer mais os países com governança e instituições fracas, como Venezuela e Haiti.

As consequências políticas do avanço da epidemia também poderão ser de médio prazo, afirma Ernesto Revilla, do banco Citi. “Autoridades estão frente a um dilema. Ou tomam decisões para conter a doença que podem prejudicar a economia ou deixam de tomá-las e veem o número de casos crescer”, diz. “Tudo isso ocorre em um momento de baixa confiança na classe política e instituições. Por isso as chances de tensão social e queda da aprovação dos governos são grandes.”