Valor Econômico, n. 4959, 13/03/2020. Política, p. A7

Para analistas, força das reformas é questionada

Hugo Passarelli 


A ampliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pelo Congresso, é resultado da descoordenação política do governo e acende um alerta sobre a força das reformas econômicas, opinam especialistas. No curto prazo, pode existir uma trégua entre os Poderes em nome de medidas emergenciais para minimizar o impacto do novo coronavírus no sistema de saúde e na economia. Mas os analistas são céticos quanto à possibilidade de o movimento, se existir, ser duradouro.

“Difícil não avaliar que essa crise, com o coronavírus, bolsas despencando e perspectivas cada vez mais pessimistas para a economia, não vai causar algum efeito no sentido de apaziguar os ânimos, mas isso é uma hipótese ainda”, afirma Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores. Segundo ele, é irreversível estimar que, a despeito de uma possível calmaria, já está programada uma disputa de poder entre Bolsonaro e o centro político nas eleições de 2022.

O analista da MCM diz que é improvável que, neste momento, mais “bombas fiscais” sejam lançadas no colo do governo. Mas a credibilidade das medidas liberais está, de fato, comprometida. “Não creio que essa agenda esteja condenada, mas ela vai atrasar e a predisposição do centro político de ajudar o governo diminuiu e isso é definitivo”, afirma.

Para Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria, a derrubada do veto que permitiu a expansão do BPC representa o ápice das consequências das escolhas da administração bolsonarista. “É um recado indireto para o Executivo em um momento de pico de tensão institucional diante do acúmulo dos movimentos mais recentes”, afirma.

O susto provocado pela disseminação do novo coronavírus não deve ser suficiente para que o presidente caminhe para construir uma base aliada, defende Cortez. “Boa parte do ideal bolsonarismo necessita da construção da imagem de ‘outsider’, então não faz sentido fazer esse papel de articulador”, afirma o cientista político. Após a aprovação da reforma da Previdência, já havia uma dispersão maior do debate sobre como e quais reformas levar adiante, cenário que agora fica mais difuso. “Agora, a questão que se coloca não é quanto o Brasil vai crescer e, sim, se o país vai crescer [com mais intensidade]”, disse.

A perda de capital político de dois dos principais articuladores do governo - o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo - também levanta dúvidas sobre o apelo das próximas reformas no Congresso. “A agenda ultrafiscalista chacoalhou, o crescimento não veio e a própria crise atual começa a dar margem para uma ideia de que o Estado precisa minimamente sustentar a economia”, diz Ribeiro.

Para Cortez, houve uma superexposição de Guedes como o “posto Ipiranga” da área econômica. “O ministro entra nesse momento com sinal negativo sobre a sua capacidade de mobilizar as demais instâncias políticas em torno dessa agenda”, afirma. Ribeiro, da MCM, lembra que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um dos fiadores das medidas pró-mercado, já tem adaptado o discurso sobre a necessidade de conter os gastos públicos. “A conjuntura respalda esse discurso e chega aos políticos. Maia já sentiu que o vento mudou um pouco de lado”, afirma.