Título: Relator afirma que Dirceu quebrou decoro parlamentar
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 18/10/2005, País, p. A2

O relator do processo de cassação contra o deputado José Dirceu (PT-SP), Júlio Delgado, apresenta hoje seu relatório afirmando que o petista quebrou decoro parlamentar ao praticar tráfico de influência no governo e no partido.

De acordo com texto, Dirceu, apesar de exercer o cargo de chefe da Casa Civil de janeiro de 2003 a junho de 2005, mantinha comando sobre o partido e teve influência decisiva no acerto dos empréstimos com o BMG, avalizados por Marcos Valério Fernandes de Souza, bem como no esquema de corrupção montado por Valério e pelo ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares.

A leitura do relatório, no entanto, pode não acontecer. Os advogados de Dirceu protolocaram no Supremo Tribunal Federal um recurso suspendendo a sessão do Conselho de Ética enquanto o STF não julgar a liminar impetrada pelo petista.

A defesa alega que Dirceu não pode ser acusado de quebra de decoro parlamentar porque durante o período em que o suposto mensalão era praticado ele exercia o cargo de ministro, não o de deputado.

Outro recurso foi protocolado na Mesa Diretora da Câmara pelo deputado Fernando Ferro (PT-PE). Ferro pede a suspensão da leitura do relatório enquanto a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara não decidir a questão de ordem apresentada por José Dirceu.

A alegação, desta vez, é outra: o PTB, que teria movido a representação no Conselho de Ética, decidiu retirá-la, mas o processo não foi interrompido por decisão do presidente do Conselho, Ricardo Izar (PTB-SP).

- A CCJ terá que decidir se ela pode ser co-autora e tribunal no mesmo processo - afirmou um dos assessores de José Dirceu.

Um dos pontos que devem ser retirados do relatório será a menção ao suposto tráfico de influência praticado pelo filho de Dirceu, Zeca Dirceu, que teria conseguido liberar emendas para o município de Cruzeiro do Oeste, no Paraná, onde é prefeito. A liberação teria acontecido entre os anos de 2003 e 2004, graças à presença de Dirceu na Casa Civil.

A não-menção ao fato representa uma estratégia da relatoria. Como o assunto não foi abordado nem pelas CPIs nem pelo Conselho de Ética, houve a preocupação de evitar recursos à Justiça, sob a alegação de que novas denúncias foram acrescidas à representação original.

Delgado também não deve citar a palavra mensalão no seu texto. A referência só virá na transcrição de depoimentos prestados por terceiros nas CPIs, no Conselho, na Polícia Federal ou no Ministério Público.

Dirceu tem se valido de diversos expedientes para tentar escapar da cassação. No fim de semana, encaminhou uma carta para cada um dos 512 deputados. Nela, afirma que ''a denúncia contra um político é como epidemia contagiosa. Feito o cordão de isolamento, quem não provar a condição de saudável está irreversivelmente condenado à segregação''.

Considerado arrogante por muitos de seus pares, o ex-chefe da Casa Civil sabe que isso pode pesar contra ele. Afirma que ''políticos que acumulam poder e reconhecimento social, acumulam, também, ressentimentos, incompreensões, mágoas e ódios despertados pelos mais diversos motivos''.

- Difícil quem não tenha motivos para desgostar de alguém com poder. Mesmo que só o faça na solidão de sua consciência - reconheceu.

Dirceu chega a afirmar que revirou suas agendas de compromissos para se certificar de que não cometeu nenhum deslize. Lembrou que o seu acusador foi cassado, mas que, mesmo assim, ele prosseguiu sendo condenado pela mídia. E que recorreu ao STF. No fim, apelou para os deputados:

- Se o STF entender que devo ser julgado pelo Plenário da Câmara, não rogo condescendência nem a clemência dos colegas. Quero ser julgado com rigor, serenidade e justiça. Só peço uma coisa: se não tiver convicção de minha culpa, não permita que eu seja injustamente banido da vida pública do País pela segunda vez - pediu o petista.